quarta-feira, 28 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (2ª parte)

 


Depois das reflexões feitas (na 1ª parte do artigo) à luz do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, apresento aqui algumas propostas concretas: caminhos que a Igreja Cristã Católica precisa percorrer para voltar a ser uma Igreja verdadeiramente evangélica.


1ª. A Igreja Cristã Católica deve reconhecer - não só na teoria, mas também na prática - que todos os Seres humanos - Cristãos e Cristãs incluídos - são iguais em dignidade e valor.


“Deus disse: ‘Façamos o Ser humano à nossa Imagem e semelhança’. (...) E Deus criou o Ser humano à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, macho e fêmea os criou” (Gn 1,26-27).


"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os Seres humanos" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do Ser humano para a comunhão com Deus" (GS 19). Na Igreja “reina (deveria reinar...) verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os cristãos e cristãs na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32).


“Na Igreja, Povo de Deus, é comum a dignidade dos filhos e filhas de Deus batizados e batizadas, no seguimento de Jesus, na comunhão recíproca e no mandamento missionário” (Exortação Apostólica Pós-sinodal “Ecclesia in America” - EA 44). “Na Igreja, todos e todas são chamados à santidade (perfeição humana, felicidade) e receberam a mesma fé pela justiça de Deus” (LG 32).


"O mistério do Ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o Ser humano ao próprio Ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS 22). “Todo aquele que segue Cristo, o Ser humano perfeito, torna-se ele também mais Ser humano” (GS 41).


2ª. A Igreja Cristã Católica deve ser toda ministeral, na diversidade dos dons (carismas) e dos serviços (ministérios).


Na Igreja: “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer” (1Cor 12,4-11).


3ª. A Igreja Cristã Católica deve ser uma Comunidade de Irmãos e Irmãs (um círculo) e não uma Hierarquia de classes - Clero e Laicato - com a classe intermediária chamada Vida Religiosa (uma pirâmide).


“Desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos - a começar por Congar - têm proposto pensar a estrutura social da Igreja dentro do binômio 'comunidade - carismas e ministérios'. O primeiro termo, 'comunidade' (ou o teologicamente mais denso, 'comunhão'), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla 'carisma e ministérios' inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo 'leigo' ou ‘leiga’ (e - podemos acrescentar - nem o termo ‘clero’), mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos/ãs e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os renascidos pela água e pelo Espírito: santos/as, eleitos/as, discípulos/as, irmãos/ãs” (CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, número 104-106. Veja a íntegra do Documento. Infelizmente, depois de 17 anos, no Documento “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade - 105 - 2016, a CNBB esqueceu o Documento anterior e voltou a reafirmar o binômio Hierarquia e Laicato)


Na Igreja, todas as eleições - nas Pastorais e nos Conselhos Pastorais (os novos Sínodos) - devem ser comunitárias e ter valor deliberativo, em comunhão com as outras Igrejas e com a Igreja de Roma, cujo bispo (papa deriva de pai) é sinal de unidade de todas as Igrejas numa só Igreja.


4ª. A Igreja Cristá Católica precisa se despojar de todas as formas de luxo, poder e triunfalismo


Para fazer isso, a Igreja deve seguir o caminho que Jesus (Caminho, Verdade e Vida) fez, desde a manjedoura de um estábulo, onde nasceu como sem-teto, até na Cruz, onde morreu como criminoso, acusado de “subverter” o povo. Ora, para seguir o caminho de Jesus, a Igreja precisa:

  • Acabar com todos os títulos honoríficos (eminência, excelência, monsenhor e muitos outros). Ficar somente com os títulos acadêmicos, que dizem qual é a área na qual o irmão ou a irmã está mais preparado ou preparada para servir e os títulos profissionais que indicam qual o serviço que o irmão ou a irmã presta.

  • Acabar com o cardinalato e sua sagrada púrpura (que de sagrado não tem nada).

  • Acabar com os palácios episcopais (que estão voltando), com outros palácios e com todo tipo de luxo na construção das Igrejas, nos vasos e vestimentas litúrgicas, mas preservando tudo o que é patrimônio histórico-cultural - positivo ou negativo - cuja memória nos ensina hoje (um exemplo: a Igreja de S. Francisco de Assis, em Salvador - BA, com o interior revestido em ouro (“Igreja de ouro”). Pergunto: Logo São Francisco? Que contradição!).

  • Acabar com todas as manifestações e celebrações triunfalistas. A Igreja deve ser sal da terra, fermento na massa e luz do mundo.

  • Acabar com todas as formas de poder. Na Igreja - além dos serviços (ministérios) das diferentes pastorais - só deve existir o serviço (ministério) da coordenação com sua secretaria.

  • Acabar, por fim, com a Igreja - Estado: o maior equívoco histórico, que não tem nada a ver com o Evangelho. Como? De duas maneiras:

º Devolvendo o Estado do Vaticano ao Estado italiano, com a responsabilidade de preservar seu patrimônio histórico-cultural, seja positivo que negativo, ou:

º Criando um pequeno Estado autônomo com a mesma responsabilidade e totalmente independente da Igreja, como - por exemplo - a República de S. Marino na Itália e outros.

Quem sabe, um dia tudo isso se tornará realidade e teremos uma Igreja Cristã Católica verdadeiramente evangélica. Invoquemos o Espírito Santo. (Vejam na imagem abaixo: o Papa Francisco é um irmão igual aos outros do grupo)     


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 26 de maio de 2025




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terça-feira, 20 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (1ª parte)

 


O Vaticano II faz-nos passar:

  • de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus;
  • de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina;
  • de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial;
  • de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo;
  • de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; 
  • de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária”. 

(Dom Aloísio Lorscheider. Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou” - Os destaques em negrito são meus).

O Concílio Vaticano II colocou as bases para que a Igreja Cristã Católica viva um processo de libertação permanente dos pecados pessoais de todos os que somos cristãos e cristãs dessa Igreja e, sobretudo, do seu pecado estrutural como Instituição. É só fazendo isso que a Igreja Cristã Católica voltará a ser - no mundo de hoje - uma Igreja realmente evangélica como eram, no seu tempo, as primeiras Comunidades Cristãs

A Conferência de Medellín - em teoria, mas ainda muito pouco na prática - encarnou esses ensinamentos do Concílio Vaticano II na realidade da América Latina e do Caribe.

Costuma-se dizer que a Igreja é santa e que os pecadores são os cristãos e cristãs. Essa afirmação é verdadeira somente em parte. Explico-me:

Todos e todas nós, cristãos e cristãs - enquanto seres humanos situados (no espaço) e datados (no tempo) - somos pecadores e pecadoras, mas também santos e santas. Enquanto estamos nesse mundo, sempre precisamos nos libertar dos nossos pecados pessoais e crescer na santidade - que, no Plano de Deus, é a perfeição humana - vivendo cada dia mais profundamente o mandamento do Amor a Deus e aos Irmãos e Irmãs.

Jesus carinhosamente diz aos seus discípulos/as: “Filhinhos/as: vou ficar com vocês só mais um pouco. Vocês vão me procurar, e eu digo agora a vocês o que eu já disse aos judeus: para onde eu vou, vocês não podem ir. Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos/as reconhecerão que vocês são meus discípulos/as” (Jo 13, 33-35).

O projeto de vida dos que somos cristãos e cristãs deve ser um projeto de vida humana radical.

Pessoalmente - por viver há mais de 50 anos a experiência de vida cristã das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - posso testemunhar que, no meio dos nossos irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras pobres dessas Comunidades, encontrei - além de pecados - muita santidade.

Foi na convivência com os irmãos e as irmãs dessas Comunidades que aprendi a ser cristão (frade dominicano, padre, professor de filosofia na UFG e teologia em outras Instituições) e aprendo até hoje.

Nessa caminhada, entre os muitos fatos que me marcaram profundamente, cito um: numa Comunidade da periferia de Goiânia visitava periodicamente um senhor baiano, idoso e doente. As visitas eram sempre muito fraternas e - depois de uma longa e carinhosa conversa de irmãos, sentados num banquinho, um ao lado do outro, na porta do barraco onde ele morava - quando ia embora, sempre me dizia: “Deus conte seus passos!”. Após algum tempo, a filha voltou com ele para a Bahia. Na hora de sua morte (plenitude da Páscoa), disse à filha com toda simplicidade: “Quando você for a Goiânia, avisa Frei Marcos que eu morri!”. Quanta sabedoria de vida e quanta fé!  Acho que Deus está contando meus passos até hoje!

Continuando as nossas reflexões - além dos pecados pessoais dos que somos cristãos e cristãs - o que há de mais grave na Igreja Cristã Católica é seu pecado estrutural (institucionalizado), do qual ela precisa se libertar para voltar a ser hoje uma Igreja realmente evangélica.

No decurso de sua história - ao contrário de Jesus que venceu as tentações - a Igreja Instituição cedeu a três grandes tentações: do poder, do luxo e do triunfalismo. Ela incorporou estruturas do imperialismo, do feudalismo e do capitalismo, que não têm nada a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré e tornou-se uma Igreja poderosa, luxuosa e triunfalista.

Entre muitos, cito somente um fato: na Procissão da Solenidade do Corpo de Cristo, pessoalmente sinto-me sempre muito mal vendo a Eucaristia transportada nas ruas centrais de Goiânia num ostensório de ouro e por Ministros com vestimentas litúrgicas luxuosas, enquanto Jesus, na pessoa dos Moradores em Situação de Rua, dorme deitado na calçada das ruas, onde a procissão eucarística passa. Que contradição! Que Igreja é essa!

Agradeço a Deus a vida do nosso irmão Papa Francisco pelo seu testemunho e por tudo aquilo que ele - dentro do possível - conseguiu fazer por uma Igreja mais evangélica e que o nosso Irmão, o Papa Leão XIV pretende continuar. Mesmo com tudo isso, ainda há muito a ser feito!

(Esclarecendo: no texto uso a palavra “evangélica” como expressão do seguimento radical de Jesus)

(Depois dessas reflexões de caráter mais geral, na 2ª parte do Artigo - com muito amor à Igreja Cristã Católica da qual sou membro - apresentarei algumas propostas concretas para que essa Igreja volte a ser - cada dia mais - uma Igreja realmente evangélica).

 


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 19 de maio de 2025


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segunda-feira, 5 de maio de 2025

1º de Maio unificado



Dia do Trabalhador e da Trabalhadora

No Dia do Trabalhador e da Trabalhadora deste ano de 2025 - nas capitais e em muitas outras cdades do Brasil - aconteceu mais uma vez o “1º de Maio Unificado”: um grande Encontro de Trabalhadores e Trabalhadoras dos Sindicatos, Centrais Sindicais, Partidos Políticos Populares, Movimentos Socioambientais Populares. Organizações de Mulheres, Entidades de Estudantes, Fóruns de Direitos Humanos, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastorais Socioambientais e outros Grupos Populares organizados.

Mesmo com suas diferenças e divergências, esses Movimentos e essas Organizações Populares têm o mesmo lado, que é o lado do Povo, ou seja, dos pobres, oprimidos, marginalizados e descartados pelo Sistema Social (socioeconômico-político-ecológico-cultural e religioso) do Brasil e do mundo, que é o Sistema Capitalista Neoliberal, totalmente irracional, desumano e antiético: um Sistema “insuportável”, que “exclui, degrada e mata” (como dizia Papa Francisco).

Em todo o Brasil, nos Encontros do 1º de Maio Unificado, houve uma boa participação de Trabalhadores e Trabalhadoras, Políticos dos Partidos Populares e muitos outros Companheiros e Companheiras. Em Goiânia, o 1º de Maio Unificado (do qual participei) aconteceu na Praça do Trabalhador (a partir das 8h), com músicas e sorteios, num clima de muita união. Teve a participação de cerca 3 mil pessoas. Parabéns aos Organizadores e Organizadoras!

Neste ano, nos Encontros do 1º de Maio Unificado, os Trabalhadores e Trabalhadoras destacaram - entre outras - as seguintes bandeiras de luta:

  • Pelo fim da escala 6x1: um regime de trabalho no qual o empregado e a empregada executam suas funções por seis dias consecutivos (44 horas semanais) e descansam no sétimo (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). Trata-se de um regime que - por refletir a lógica do Capitalismo, cujos objetivos principais são a produtividade e o lucro - compromete a qualidade de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. 
  • Defesa da democracia (democracia popular).
  • Saúde do trabalhador e da trabalhadora.
  • Isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
  • Taxação dos super-ricos.

São bandeiras de luta necessárias e urgentes, mas os trabalhadores e as trabalhadoras, os políticos populares e todas as pessoas que lutamos por uma sociedade e um mundo estruturalmente novos - de igualdade, de justiça e de vida digna para todos e todas - não podemos esquecer da ambiguidade dessas lutas, da qual precisamos tomar consciência para enfrentá-la e superá-la.

No Sistema Capitalista Neoliberal, todas as lutas acima lembradas e outras são necessárias para “humanizar” com urgência casos e situações concretas de desigualdade, de injustiça e de falta de vida digna, que não podem esperar a mudança de estruturas. Essas lutas, porém, servem também - aqui está sua ambiguidade - para “legitimar” um Sistema Social estruturalmente iniquo e perverso, que mantêm os trabalhadores e as trabalhadoras submissos, evitando protestos e greves.

Mesmo com essa ambiguidade, todas as lutas específicas devem fortalecer (e não arrefecer) a nossa luta maior e permanente para derrotar e superar o próprio Sistema Capitalista Neoliberal: a causa principal desses casos concretos de falta de condições para uma vida minimamente digna e dessas situações totalmente desumanas.

Fiquemos alerta e não nos iludamos! Os trabalhadores e as trabalhadoras, todos e todas nós devemos ter consciência dessa ambiguidade e enfrentá-la com firmeza.

Por fim, os Partidos Políticos Populares (Partidos de esquerda), os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadores, as Centrais Sindicais, os Movimentos Socioambientais Populares, as CEBs, as Pastorais Socioambientais e todas as Organizações ou Grupos Populares, devem ter consciência de três realidades fundamentais.

  • Primeira: os que apoiam e defendem o Projeto Social (socioeconômico-político-ecológico-cultural e religioso) Capitalista Neoliberal não são somente nossos adversários, mas nossos inimigos. Adversários são aqueles ou aquelas que - mesmo defendendo o mesmo Projeto Social - têm diferenças e divergências a respeito da leitura (análise e interpretação) da realidade e dos passos que podem e devem ser dados para fazer o Novo Projeto Social acontecer.

O errado não é ter inimigos, mas odiar os inimigos. Como diz Jesus de Nazaré, todos e todas nós como seres humanos - e, mais ainda, se formos cristãos e cristãs - devemos amar os inimigos.

Paulo Freire nos ensina que a única maneira de amar os inimigos (os opressores) é lutar contra o projeto de vida deles e delas. Com isso, quem sabe, mudem de vida, como fez Zaqueu ao se encontrar com Jesus.

  • Segunda: na prática político-partidária, sindical e popular deve ficar sempre claro qual o Projeto Social que temos e defendemos.
  • Terceira: com aqueles e aquelas que têm e defendem um Projeto Social totalmente diferente e oposto ao nosso, não podemos fazer “aliança”, palavra que significa “comunhão de Projetos”, mas somente “acordos pontuais”, em casos e situações especiais. Nada de hipocrisia!

Povo unido e organizado, jamais será vencido! A nossa luta continua!


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 04 de maio de 2025

terça-feira, 29 de abril de 2025

O Ser humano meta-histórico-social



    (Continua o tema dos artigos anterioriores sobre o Ser humano)


Na vida do Ser humano histórico - “já e ainda não” meta-histórico - a liberdade é uma exigência e, ao mesmo tempo, uma consequência da racionalidade. Ela "é um risco e um mistério que envolvem a absoluta frustração no ódio (morte plena) ou a radical realização no amor (vida plena)” (BOFF, L., Vida para além da Morte. Vozes, Petrópolis, 1973, p. 94). Esse risco e esse mistério devem ser assumidos e vividos permanentemente.


A realidade que chamamos de "morte" - como todos e todas sabemos por experiência - é constitutiva da condição existencial do Ser humano histórico. Sabemos que temos de morrer e - vendo a morte dos outros e das outras ou antecipando a nossa pela imaginação - podemos adquirir a experiência vital e a convicção real de nossa própria morte.


"Vejo claramente diante de mim minha morte. No constante incremento da eficácia vivida do meu passado, que ata cada vez mais fortemente cada um dos meus passos, sob cuja determinação nos sentimos cada vez mais claramente, e que atua como um todo sobre a vida; no progressivo estreitamento da esfera do futuro que me está dada na expectação imediata; na pressão, cada vez mais forte, do âmbito do presente, inserido entre o passado e o futuro; em todas as vivências, me está dado o acercamento da morte, que se aproxima por segundos; independente do lugar em que me encontre, dentro do ritmo vital de minha espécie humana, esteja enfermo ou são, observe-o ou não o observe, chegue ou não a formulá-lo claramente num juízo. Porque esta experiência está jacente na vida, na essência da vida, não no acaso de minha organização humana e no especial ritmo de sua existência: infância, juventude, velhice e duração da vida" (SCHELER, M. Murte y Supervivencia. Revista de Occidente, Madrid, s.d., p. 75-76. Citado por: DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem - Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 247).


Neste sentido, o Ser humano, desde os primeiros momentos de sua vida,  caminha para  a "morte".


Ele é um "ser-para-a-morte", ou seja, um "ser-para-a-passagem” - última e definitiva - do "modo de ser histórico" (em processo permanente de meta-historicização: meta-histórico “já e ainda não”) para o "modo de ser meta-histórico" (em estado pleno: meta-histórico “além da morte”). Como, porém, o Ser humano histórico é "ontologicamente" voltado para a vida e a vida plena, ele é, sobretudo, um "ser-para-a-vida”.  


Em síntese, podemos dizer que o Ser humano histórico como "corpo" biopsíquico e espiritual ou pessoal, "morre" (a ênfase é colocada no corpo); o Ser humano histórico como "espírito" (ou "pessoa") biopsíquico e corpóreo, "ressuscita" ou "vive para além da morte" (a ênfase é colocada no espírito ou pessoa). O sujeito, porém, da Morte e Ressurreição é sempre o Ser humano histórico todo.


Na "morte" (cisão total do tempo para a eternidade) o Ser humano "acaba de nascer totalmente" (BOFF, L., o.c., p. 55) para a vida plena ou morte plena.


O Ser humano meta-histórico é, antes de tudo, Ser humano meta-social (meta-sociedade), mas a “meta-socialidade” não é a totalidade do Ser humano meta-histórico. A "meta-socialidade" é - podemos dizer - "meta-socialidade individual", porque a sociedade influencia e condiciona dialeticamente o indivíduo.


O Ser humano social, ou seja, o Ser humano histórico em suas relações sociais ou estruturais, é "ontologicamente" voltado para o meta-social; é, "já e ainda não", meta-social. A dimensão da meta-socialidade é constitutiva da meta-historicidade do Ser humano.


O Ser humano histórico meta-socializa-se dialética e permanentemente como “Vida social” ou “Morte social”, até à meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” ou “Morte social plena”.


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” é a afirmação da dimensão social do Ser humano em sua plenitude, ou seja, da humanização plena (da Vida eterna, da Páscoa definitiva, da Plenitude da Ressurreição, da Plenitude do Reino de Deus, da Salvação eterna, do Céu, do Paraíso).


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Morte social plena” é a negação de tudo o que foi dito no parágrafo anterior.


Contrariamente a uma interpretação "individualista", afirmar a meta-socialidade do Ser humano meta-histórico, significa "afirmar uma Comunidade humana 'além da morte’ (temporal), no sentido que a Comunidade humana - tendo já uma dimensão meta-histórica - náo é destruida por esta mesma morte" (GEVAERT, J., o.c., p. 268).


Para o Ser humano meta-social, “estrutural e constitutivamente” ligado aos outros (semelhantes), o processo dialético permanente (o caminho) da meta-socialização - até à meta-socialização plena (total, absoluta) como Vida meta-social plena ou Morte meta-social plena - passa pelo reconhecimento ou não dos outros como outros e pela experiência do amor meta-social (meta-estrutural) ou não (desamor meta-social, egoísmo meta-social), em todas as suas manifestações.


Essa experiência é ainda a condição necessária para encontrar (conhecer e vivenciar) o significado fundamental - último e definitivo - da existência humana meta-social.


A experiência do amor meta-social se dá (acontece) na e pela Práxis meta-sócial (voltaremos sobre   o assunto, falando da Práxis meta-social).


     (Continua nos próximos artigos sobre o Ser humano)

    O artigo foi publicado originalmente em:

                  https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-social/ (27/03/25)





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 


https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de abril de 2025



segunda-feira, 21 de abril de 2025

Irrestrita solidariedade às Ocupações - Veemente repúdio às ameaças de despejo

 


“Mabel quer ceder áreas públicas para a construção civil” (O Popular, 02/04/25, p. 4 - Manchete). “A Prefeitura tem uma lista preliminar de 125 terrenos que poderiam entrar nas parcerias” (ib.).

Na realidade, o que o prefeito quer mesmo com as parcerias é: colaborar com o crescimento da especulação imobiliária na cidade de Goiânia, tornando os ricos cada vez mais ricos. Em contrapartida, ele quer receber “uma determinada quantia de dinheiro” para legalizar as parcerias e inibir as Ocupações, ameaçando-as de despejo.

De acordo com a SEPLAN, segundo o Sistema de cadastro de áreas da Prefeitura, “há atualmente 875 áreas públicas vagas e 305 ‘invadidas’ no município de Goiânia. O Órgão admite, no entanto, que os dados precisam ser checados” (ib.).

“Mabel diz que a gestão adotará medidas para a retirada de Ocupações irregulares. Na lista prévia de 125 terrenos, há 8 processos judiciais, que tratam de Ocupação”. O prefeito declara: “Vamos buscar estas áreas que estão invadidas (...). Será assim: ou a pessoa paga para que a gente possa pagar outras áreas, ou nós vamos tirar a invasão. O fato é que nós vamos recuperar essas áreas públicas que estão invadidas. São muitas” (ib.).

Antes de tudo, um esclarecimento: senhor prefeito, não se trata de “Invasões irregulares”, mas de Ocupações legítimas de terrenos sem função social por trabalhadores e trabalhadoras que querem e necessitam ter uma moradia digna: um direito fundamental de todo ser humano. Os verdadeiros invasores são os capitalistas, que se apropriam de terrenos - que são de todos e todas - para a especulação imobiliária.

Que vergonha, senhor prefeito! Infelizmente, suas atitudes mostram claramente de que lado o senhor está: do lado dos poderosos. Se o senhor estivesse do lado dos pobres, sua primeira preocupação - depois de eleito - teria sido: criar - com as áreas públicas e com a desapropriação de outras áreas sem função social - as condições necessárias para que todos e todas tivessem seu direito à moradia digna respeitado.

São Tomás de Aquino - em sua época - já dizia que, do ponto de vista ético, nenhum ser humano tem direito ao supérfluo, enquanto o outro (ser humano) não tem o necessário. E dizia ainda que a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito natural primário e a posse (ou propriedade), de direito natural secundário. Quando o direito natural secundário impede o acesso de todos os seres humanos ao direito natural primário, é injusto e antiético (seja do ponto de vista filosófico ou teológico). Trata-se de verdades fundamentais que integram o Pensamento Social Cristão.

Papa Francisco pergunta: “Reconhecemos que este Sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos. E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”. O Papa diz ainda que este Sistema insuportável exclui, degrada e mata”; e que os “3 T” - terra, teto (moradia) e trabalho - são direitos fundamentais de todo ser humano (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Do ponto de vista da ética humana e cristã (radicalmente humana), declaro e advirto:

1.    Declaro:

·         Na cidade, os terrenos “largados” para futura especulação imobiliária são de quem precisa deles para morar e trabalhar dignamente. São terrenos que não só podem, mas que devem ser ocupados por essas pessoas.

·         No campo, os latifúndios improdutivos e sem nenhuma função social são de quem precisa deles para morar e trabalhar dignamente na agricultura familiar e comunitária, produzindo alimentos sadios (sem venenos) para a alimentação do povo. São latifúndios que não só podem, mas que devem ser ocupados por essas pessoas.

·    Todo despejo é injusto (como já disse outras vezes). Ora, se o despejo tiver liminar de juiz, é mais injusto ainda, porque se trata de uma injustiça legalizada e institucionalizada. Pessoa humana nunca se despeja.


Observação: só existem três casos nos quais as pessoas podem ser removidas (não despejadas) com dignidade e respeito de uma Ocupação. Primeiro caso: quando a área é de utilidade pública; segundo caso: quando a área é de preservação ambiental. Nestes dois casos, a remoção pode acontecer somente depois que outras moradias estiverem prontas para serem ocupadas. Terceiro caso: quando a área é de risco para a vida dos moradores. Neste terceiro caso, a remoção deve ser imediata e o Poder Público tem a obrigação de pagar o aluguel social até que outras moradias estejam prontas para serem ocupadas.


2.    Advirto:

·         Os que foram eleitos para algum cargo público devem estar sempre a serviço do Povo, a partir dos mais pobres.

·         Lembrem-se que Deus é justo e “seus caminhos são justos e verdadeiros” (Ap 15,3). A justiça de Deus pode tardar, mas não falha.

     Por fim, a denúncia e o pedido de solidariedade do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Diteitos (MTD), do Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino e da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil são meus também.

300 famílias em Situação de Ocupação no setor Solar Ville (Goiânia), distribuídas em quatro Ocupações diferentes: Paulo Freire, Marielle Franco, Terra Prometida e Manaim, recebem periodicamente novas ameaças de despejo. Nesse contexto, dezenas de crianças, mães, pessoas idosas, com deficiência e doentes - que foram acolhidos e acolhidas nas Comunidades - continuam vivendo em estado de aflição e surpresa. Quanta maldade! (cf. @mtd.goias, @comitedomtomas, @justpazop).



 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
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Goiânia, 17 de abril de 2025

domingo, 13 de abril de 2025

A anistia como “um ato humanitário”! Que deboche!



Em São Paulo, “um dia após participar da manifestação na Avenida Paulista, promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em favor da anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, o governador Ronaldo Caiado (UB) classificou nesta segunda-feira (7), a medida como um ato humanitário, de significado maior, em decorrência das penas, que extrapolam aquilo que a população também entende como parâmetro em outros casos” (O Popular, 8 de abril de 2025). O governador Ronaldo Caiado é muito cara-de-pau!

21 anos de ditadura civil - militar (1964-1985) marcados:

  • pela suspensão dos direitos democráticos;
  • pela violação sistemática de todos os direitos humanos e
  • pela repressão mais cruel, perversa e diabólica possível (massacres, torturas, mortes).

Declarar publicamente - como fez Ronaldo Caiado - que a anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro/23 é “um ato humanitário”, significa debochar de todos e todas nós. È um absurdo! É inadmissível!

Somente três breves relatos - entre muitos, feitos à Comissão Nacional da Verdade por brasileiros e brasileiras que caíram nas garras da ditadura - são suficientes para nos mostrar o que ela foi:

  • Dirce Machado da Silva, agricultora do Norte de Goiás filiada ao Partido Comunista Brasileiro, conta o que os militares fizeram com seu marido para obrigá-la a delatar seus companheiros:

“Quebraram o nariz do Ribeiro com soco, arrastaram pelos pés e penduraram em uma árvore de cabeça para baixo, o sangue pelo nariz escorrendo. Se eu não falasse o que eles queriam ouvir, iriam matar o Ribeiro enforcado".

  • Izabel Fávero, professora e militante da organização Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), conta que foi torturada em casa, na cidade de Nova Aurora, no Paraná, junto com seu marido:

"Batiam na gente com toalhas molhadas, tinham um alicate e beliscavam a gente no corpo, eles levaram meu marido e o jogaram no córrego que tinha ao lado de casa, deram choques elétricos, dentro do córrego. Ele ficou com traumas o resto da vida, ele teve problemas urinários e teve que tratar a vida toda".

  • Robeni Baptista da Costa, que era estudante secundarista e militante da União Nacional dos Estudantes (UNE):

"Eu fui para a cadeira do dragão (aparelho de tortura) em que os caras jogaram água e me deram um choque na vagina, no seio, o pior foi na orelha, porque a impressão que dá é que jogaram o cérebro da gente no liquidificador, sabe?".

Depoimentos como esses revelam uma perversidade diabólica e desmentem também o trecho do texto, assinado (no dia 01 de abril/22) pelos então Ministro da Defesa Braga Neto e Comandantes das Forças Armadas, segundo o qual "nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País".

Rebatem ainda as palavras do então vice-presidente Hamilton Mourão, para quem em 1964 "a nação salvou a si mesma". Que salvação é essa, que prende, tortura e mata os que discordam do regime!

Para completar, o então presidente Jair Bolsonaro, entre outras idiotices, disse que sem a ditadura o Brasil seria "uma republiqueta". Que mentira! Para Bolsonaro “uma mentira a mais ou a menos não faz a menor diferença” (https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2022/04/01/elogios-a-ditadura-anteciparam-o-dia-da-mentira.htm).

Governador Ronaldo Caiado, como o senhor - em sã consciência - pode afirmar que a anistia dada aos que tramaram a volta à ditadura é “um ato humanitário”? É muita hipocrisia! O senhor deve achar que o povo é idiota!

Como podem existir pessoas que ainda querem a volta da ditadura! Anistia nunca!

Respeitando seus direitos de pessoas humanas (o que a ditadura não fez), os responsáveis pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro/23 e tentativa de golpe devem ser presos e punidos. Terão, assim, tempo para refletir e - quem sabe - mudar de vida! Esperançar é preciso. Feliz Páscoa!


 
             Militares cercam o Campus Saúde da UFMG em Belo Horizonte.                                           Senado, 08/01/23                                 
                                      Foto: Projeto República/UFMG                                                                               Marcelo Camargo - Agência Brasil
   




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

Goiânia, 11 de abril de 2025

 


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos