sábado, 30 de janeiro de 2010

"A verdade vos libertará" (Jo 8, 32)

Fiquei pasmo ao constatar a celeuma que o meu artigo sobre as crianças nas ruas de Goiânia provocou, sobretudo nos meios político-partidários. Ninguém acredita - parece - que ainda possam existir pessoas escrevendo artigos sem nenhum interesse pessoal, sem mentiras, sem ordem de ninguém, por puro amor à verdade e em solidariedade ao povo sofrido (sobretudo crianças e adolescentes) na defesa de seus direitos fundamentais.
Dom Fernando Gomes dos Santos, quando o acusavam de ser contra o governo, como verdadeiro pastor e profeta, dizia: "Eu sou a favor do povo. Se o governo estiver a favor do povo, estarei com ele, se for contra o povo, estarei contra ele". Como me considero discípulo de Dom Fernando - por ter sido amigo e colaborador dele - faço minhas as suas palavras.
É um absurdo, e de certa forma ridículo, dizer que eu escrevo artigos a mando do Marconi, por ser cabo de chicote dele (cf. DM, 16/01/10).  Inclusive, no meu artigo sobre as crianças nas ruas, citei como exemplo do "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385), no qual nós vivemos, a barbárie do Parque Oeste Industrial, que demonstrou a submissão total do Poder Público aos interesses econômicos do setor imobiliário, que foi a pior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, com requintes de crueldade inconcebíveis no século XXI, e que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos.
Se em nossa sociedade existisse um mínimo de justiça, os responsáveis por esse crime - que são o governador Marconi Perillo, o secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) e que até hoje estão impunes - deveriam ser processados, condenados e impedidos de se candidatar a qualquer cargo público.
Chega de politicagem! Vamos fazer uma política séria, com responsabilidade e a serviço de todos, a partir dos empobrecidos, marginalizados e excluídos.
As "Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2008-2010", falando de nossa realidade,  observam: "É inquestionável o enfraquecimento da política decorrente das mudanças culturais como a difusão do individualismo e, principalmente, do crescimento do poder dos grandes grupos econômicos, impondo suas decisões e substituindo as instâncias políticas, com riscos para a democracia. Certamente, houve desencanto e diminuição da confiança do povo nos políticos, nas instituições públicas e nos três poderes do Estado; em contrapartida, surgiram novos sinais de esperança e de empenho político, como muitas organizações alternativas, não governamentais. Também muitas pessoas, inclusive jovens, se reúnem em movimentos sociais, sem vinculação partidária, para defender, com energia, os direitos individuais e para expressar a esperança de um outro mundo possível" (DGAE, 33).
Na América Latina há atualmente - continua o Documento - "uma crescente consciência da sociedade em exigir políticas públicas nos campos da saúde, educação, segurança alimentar (eu acrescentaria, soberania alimentar), previdência social, acesso à terra e à moradia, criação de empregos e apoio a organizações solidárias" (DGAE, 34).
A melhoria da qualidade, dos governantes e de todos nós. É isso que sonhamos e queremos.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 30 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Nós não temos crianças nas ruas"

É inacreditável! O nosso Prefeito Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, O7/01/10, p. 12).
Realmente é assustador ouvir estas palavras de um homem que se diz tão experiente na prática política. Estes "programas sociais" são em geral de má qualidade, são muito mal organizados, a pedagogia dos educadores não é uma pedagogia que liberta, que leva as crianças a ter autoestima e a ser sujeitos de sua própria formação integral, e, por fim, estes  "programs sociais" não atingem as reais necessidades da maioria das nossas crianças e suas famílias. Trata-se de mero assistencialismo. Mas, mesmo admitindo que estes programas fossem de ótima qualidade, o que significam 7.500 crianças para a cidade de Goiânia?
Depois destas afirmações absurdas, o Prefeito disse: "Vamos lutar para que Goiânia seja destaque nacional nessas áreas imprescindíveis à pessoa humana" (DM, p. 12). O que importa, senhor Prefeito, não é "ser destaque nacional", mas trabalhar com amor, dedicação e de maneira desinteressada em benefício das crianças pobres e subnutridas dos nossos bairros da periferia, vítimas de uma sociedade estruturalmente injusta e de um  "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385).
Como exemplo deste "sistema econômico iníquo", basta lembrar a barbárie do Parque Oeste Industrial, que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos e os verdadeiros culpados pelo crime - que são o Governador, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) - até hoje estão impunes.
Sempre segundo o "Diário da Manhã", antes de proferir as palavras citadas, o Prefeito tinha pedido a seus auxiliares: "Vamos lutar para que possamos, em quatro anos, deixar 40 anos de trabalho" (DM, p.12). Tomara, senhor Prefeito! Infelizmente - acredito eu - trata-se de atitude populista e de  mera demagogia político eleitoreira.
Voltando ao assunto das "crianças nas ruas", não quero agora trazer estatísticas. Se quiserem, os interessados podem procurar o Ministério Público Estadual, que fornecerá informações verídicas a esse respeito.
Para quem sabe enxergar a realidade, basta andar nos bairros da periferia de Goiânia e também no centro da cidade, para ver quantas crianças temos nas ruas, que andam perambulando, sem saber o que fazer. Depois das aulas, muitas vezes de péssima qualidade, como as crianças vão ocupar o seu tempo? Será que as crianças vão ficar sempre em casa (quando têm casa) bem comportadinhas, assistindo, talvez, programas de televisão, que não são certamente educativos? Ou será que vão para a rua, descarregando suas energias? Os pais das crianças, quando tem um emprego ou um subemprego, estão fora de casa trabalhando.
As crianças que encontramos não são - é verdade - todas crianças "em  situação de rua" (acostumadas a ficar dia e noite nas ruas). Muitas delas têm família, mas, às vezes, família incompleta, família desestruturada, família com diversos problemas, família que passa por momentos difíceis, família que luta com dificuldade pela sobrevivência, família que de fato não tem as mínimas condições para sustentar e educar seus filhos. É por causa desta situação social de exclusão e de injustiça que as crianças passam o maior parte de seu tempo nas ruas, vítimas fáceis do mundo da violência e das drogas. E, entrando no mundo da violência e  das drogas, são hipocritamente tratadas como caso de polícia. 
Precisamos urgentemente de políticas públicas para as crianças e suas famílias. Precisamos de educadores preparados e dedicados, que trabalhem com amor, que saibam caminhar com o  povo, construindo juntos a esperança de um "outro mundo possível".
Quem convive diariamente com o povo dos nossos bairros e das nossas comunidades da periferia, no meio de muitas dificuldades e de muito sofrimento, encontra também (falo por experiência própria) tanta  profundidade humana e tanta  sabedoria, que não se aprende na escola e na universidade. Basta ter o coração aberto, saber escutar e  se deixar educar pelo povo. A melhor escola e a melhor universidade é a experiência de vida de quem, com coragem sobre humana, com fé inabalável e com grande sabedoria enfrenta "sorrindo" situações limite. Basta que nos despojemos de nossa arrogância (como quem diz "eu sei o que é bom para o povo"), de nossa autossuficiência e de nossa postura de superioridade, para nos tornarmos "discípulos" do único mestre Jesus Cristo. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10). Assim fazendo, o nosso jeito de ser e de viver será bem diferente e falaremos como quem tem "autoridade". "As pessoas ficavam admiradas com o ensinamento de Jesus, porque ele falava com autoridade" (Lc 4, 32).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 11 de janeiro de 2010





sábado, 26 de dezembro de 2009

Um crime que clama por justiça

Quem leu a reportagem do Jornal "O Popular" do dia 13 de dezembro/09 sobre os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) e tem um mínimo de sensibilidade humana ou de senso ético, não pode deixar de ficar profundamente indignado. Trata-se de um crime, praticado pelos poderes públicos municipais, que clama por justiça,.
            "Mais de R$ 5,4 milhões estão parados em fundos criados exclusivamente para assegurar os direitos de crianças e adolescentes. O dinheiro, que deveria ser utilizado  em  programas voltados para a defesa da infância, fica parado nas contas bancárias sem qualquer previsão de gasto ou, então, retorna para as prefeituras custearem outras despesas da administração, ao arrepio da lei. Quando são gastos, em grande parte dos casos, esses recursos acabam destinados de forma indevida, sem representar um avanço dos programas de amparo à infância e à juventude em Goiás" (p. 4 ).
            Por causa do descaso e da irresponsabilidade dos poderes públicos municipais, a violência contra os adolescentes e jovens aumenta a cada dia que passa. Assistimos passivamente a um verdadeiro extermínio da nossa juventude. Cito só dois exemplos. Nos bairros São Domingos e Boa Vista, da Região Noroeste de Goiânia, de janeiro até dezembro de 2009, foram assassinados 25 adolescentes e jovens, entre os quais, uma criança que foi vítima de bala perdida enquanto estava saindo de sua Igreja com a família. Algumas pesquisas afirmam que, na grande Goiânia, são assassinados em média de 15 a 20 adolescentes e jovens por semana. É uma realidade que grita diante de Deus. A Constituição brasileira nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
            A desculpa que as autoridades costumam dar é que não existem (ou existem poucas) Organizações Não-Governamentais (ONG) ou outras Entidades que sejam idóneas e tenham todos os requisitos legais necessários para receberem verbas públicas. É verdade que Organizações Não-Governamentais e outras Entidades da sociedade civíl podem colaborar com o poder público e fazer um trabalho complementar, mas a obrigação principal e do próprio poder público. É ele que, em caráter absolutamente prioritário, deve implementar políticas públicas em defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens.
No município de Goiânia - além dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), muito precários e insuficientes, e das Escolas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, de péssima qualidade - só existem alguns Centros de Referência e Assistência Social (CRAS), muito mal organizados e que não atendem, nem minimamente, as urgentes necessidades das nossas crianças, adolescentes e jovens. Não temos programas educativos que respondam de verdade aos desafios da realidade das crianças, adolescentes e jovens. O que as crianças, adolescentes e jovens dos nossos bairros vão fazer depois das aulas? Quem se preocupa em criar possibilidades de trabalho para os jovens?
A  psicóloga Elisabeth Monteiro afirma: "o jovem que se sente valorizado e respeitado na família e que é útil para a sociedade (estimulado a conhecer desde cedo o valor do trabalho ou a participar de ações voluntárias, por exemplo) tem autoestima elevada e dificilmente segue por um caminho que faça mal a outra pessoa ou a si mesmo" (Folha de São Paulo, Equilíbrio, Entrevista: Em defesa dos adolescentes, 17/12/09, p.3).
Não havendo - a não ser em casos muito especiais - programas educativos que levem as nossas crianças, adolescentes e jovens a ter autoestima e a discobrir o verdadeiro sentido da vida, só resta a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência e das drogas.
Costuma-se apontar as famílias desestruturadas como causa do envolvimento dos adolescentes e jovens com as drogas. As famílias têm, é verdade, sua parte de responsabilidade, mas a principal responsável e a nossa sociedade injusta, que coloca no centro de tudo o dinheiro e o lucro, e não a pessoa humana.
No final de novembro - com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - as Pastorais da Juventude do Brasil (Pastoral da Juventude - PJ, Pastoral da Juventude Estudantil - PJE, Pastoral da Juventude Rural - PJR e Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP) lançaram oficialmente a Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens. A Campanha vem sendo organizada desde maio/09, conta com o apoio de inúmeras Organizações de todo o país e tem como marca várias mãos abertas indicando um "basta" a toda forma de violência. Estão previstas pela Campanha várias iniciativas, como a realização de seminários estaduais e marchas locais em 2010 e a organização de uma grande marcha nacional em 2011.
A Coordenação Nacional da Pastoral da Juventude (CNPJ) e a Comissão Nacional de Assessores da Pastoral da Juventude (CNAP) nos lembram que a Campanha "só ganhará força se abraçada por todos e todas em suas Comunidades locais, em um trabalho em rede que pretende debater e sensibilizar a sociedade e o poder público, sobre a morte que os/as jovens têm sofrido todos os dias, nas diferentes realidades do Brasil. Não podemos nos calar diante deste quadro de morte, ao contrário nossos grupos de jovens, as pessoas que lutam e sonham pelo Reino de Deus, são convocados/as a denunciar toda essa exclusão" (www.juventudeemmarcha.org.br).

           
"Glória a Deus no mais alto dos céus, e PAZ na terra aos homens e mulheres por Ele amados" (Lc 2,14).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de dezembro de 2009


sábado, 5 de dezembro de 2009

Os trabalhadores do material reciclável


         A decisão da Prefeitura de Goiânia de retirar das ruas todos os carrinhos de 2.500 trabalhadores do material reciclável (e não dos "catadores de lixo", como se costuma dizer) é uma grande injustiça. Os trabalhadores do material reciclável - como todos os trabalhadores - devem ser respeitados e valorizados. O poder público não pode tomar decisões que comprometem a vida dos trabalhadores (e suas famílias) sem conversar, dialogar e construir, junto com eles - através de suas lideranças - a melhor solução possível. Os trabalhadores precisam se sentir felizes em poder participar ativamente de tudo o que diz respeito a sua própria vida.
            No Brasil - como afirma o jornalista Washington Novais - os trabalhadores do material reciclável (papel, papelão, plásticos, vidros, latas de alumínio) "são uma verdadeira legião de heróis. Algumas centenas de milhares - há quem fale em um milhão - trabalham todos os dias nas ruas das cidades, de sol a sol, expostos a intempéries, sem garantia de rendimentos, férias, 13° salário, planos de saúde" (O Popular, 3 de dezembro, p. 7)..
O poder público, com a assessoria de técnicos - que não sejam meros burocratas, mas pessoas de profunda sensibilidade humana e amor ao povo - deve criar novas possibilidades para os trabalhadores do material reciclável, que é um serviço tão importante para a vida do nosso planeta. Deve ainda prever os recursos necessários para melhorar as condições de trabalho das cooperativas já existentes e colaborar com o surgimento de novas cooperativas, que sejam verdadeiras empresas comunitárias, gestidas pelos próprios trabalhadores e onde os trabalhadores se sintam bem e realizem o seu trabalho com prazer.
A prática política não pode ser uma prática populista e paternalista, mas uma prática libertadora, que leve o ser humano a ser sujeito de suas opções, atitudes e atos. Todo ser humano tem o mesmo valor e a mesma dignidade. Não é o trabalho que dá valor e dignidade ao ser humano, mas é o ser humano que dá valor e dignidade ao trabalho.
Precisamos urgentemente de políticas públicas para as crianças, os adolescentes e os trabalhadores, sobretudo jovens. Para citar um caso concreto da situação desumana na qual nós vivemos, somente nos bairros São Domingos e Boa Vista, na Região Noroeste de Goiânia, foram assassinados, de janeiro a novembro deste ano, 25 adolescentes e jovens envolvidos com o mundo das drogas. Ninguém de nós pode ficar insensível ou indiferente diante desta realidade tão cruel e dramática. Os nossos políticos e governantes devem lembrar que foram eleitos para servir ao povo, principalmente aos empobrecidos e excluídos. 
Como nos lembra o Documento de Aparecida da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe "uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. Com ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia ou sem poder, mas está fora. Os excluídos não são somente 'explorados', mas 'supérfluos' e 'descartáveis" ( DA, 65).
A respeito dos trabalhadores do material reciclável, em Goiânia - como nos lembra mais uma vez o jornalista Washington Novais - "ainda há tempo de corrigir rumos. O que não faz sentido é proibir sua atividade argumentando também que seus carrinhos atrapalham o trânsito de automóveis, quando estes é que inviabilizam o trânsito - mais um privilégio para o trasporte individual, desconsiderando os direitos e necessidades de um setor de extrema utilidade social" (O Popular, 3 de dezembro, p. 7).
Enfim, todos e todas precisamos ser solidários e unidos na defesa dos direitos dos trabalhadores do material reciclável. Eles precisam do nosso apoio de irmãos e irmãs. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 05 de dezembro de 2009





sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Páscoa de Thiago


"Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos,
foi a mim que o fizeram!" (Mt 25, 40)

Thiago - um adolescente de 17 anos, que já tem um filhinho de nove meses, Paulo Henrique - foi barbaramente assassinado na noite do dia 18 deste mês de novembro. O fato aconteceu justamente - parece até uma ironia - na Avenida chamada Vale dos Sonhos e em frente à Igreja  chamada Nossa Senhora da Paz, no Bairro São Domingos, na região noroeste de Goiânia.
Sem negar a responsabilidade pessoal de quem o matou, podemos afirmar que Thiago é mais uma vítima do sistema capitalista neoliberal, que é um "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida - DA, 385) ou - como afirma Paulo VI - um "sistema nefasto", porque considera "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes" (Populorum Progressio - PP, 26).
O sistema capitalista neoliberal - que coloca o dinheiro como um deus, como um valor absoluto, a serviço do qual tudo pode e deve ser sacrificado, inclusive a vida de um adolescente - produz desigualdade social gritante, que é uma das causas principais da violência.
Há trinta e seis anos, em plena ditadura militar, Bispos do Centro-Oeste do Brasil definiam o capitalismo como sendo "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Marginalização de um Povo, 1973).
Há poucos meses - voltando da mesma Igreja Nossa Senhora da Paz depois da Missa dominical das 19,30h - já tinha me deparado com o corpo de outro jovem, estendido na mesma Avenida Vale dos Sonhos. O corpo estava rodeado de pessoas, aguardando o carro do IML. Quantos jovens marcados para morrer! Quanto desrespeito pela vida humana! Quanta maldade!
Precisamos dar um "basta" a tudo isso. Como nos lembra o lema do Grito dos Excluídos 2009, "a força da transformação está na organização popular". Não podemos perder a esperança de um mundo diferente, de um mundo novo.
Os poderes públicos, municipal, estadual e federal, não se preocupam com a realidade do nosso povo sofrido. Basta ver o espetáculo deprimente dos conchavos políticos ao qual assistimos todos os dias, sobretudo em época de eleições. Cada pessoa ou grupo visa seus próprios interesses da forma mais acintosa e despudorada possível.
Na nossa cidade de Goiânia não temos políticas públicas - que sejam realmente prioritárias - para crianças, adolescentes e jovens, sobretudo "em situação de rua". O motivo é sempre a "falta de verbas". Por que será que para grandes obras sempre tem verbas? O que falta realmente é vontade política e, sobretudo, amor ao povo.
A qualidade de ensino nas nossas escolas públicas deixa muito a desejar. Para ocupar o tempo livre, depois das aulas, não existem programas educativos que ajudem as crianças, os adolescentes e os jovens a crescer em sua autoestima, a desenvolver sua criatividade e a descobrir o verdadeiro sentido da vida.
Para os jovens, que já têm idade para trabalhar, não existem políticas públicas que ofereçam possibilidades de emprego. Quando os jovens conseguem algum trabalho, temporário ou permanente, ganham um salário de miséria. Os jovens não têm incentivo e não têm perspectiva de um futuro digno. Dai a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da  violência, da prostituição, do tráfico de drogas e do crime.
As crianças, os adolescentes e os jovens são, quase sempre, vítimas do descaso do poder público, de estruturas sociais injustas ou, em outras palavras, de uma sociedade assassina. É esta uma situação de pecado social, de pecado estrutural.
Apesar de tanta maldade humana, no velório de Thiago nós celebramos a vida, não a morte. Sabemos que Deus nos ama, quer o nosso bem e a nossa felicidade. Na sua breve existência terrena, Thiago foi batizado, fez a primeira eucaristia e recebeu o sacramento da crisma. À luz da fé, podemos dizer que Thiago, adolescente de 17 anos, "completou sua Páscoa" e se encontra agora na plenitude do Reino de Deus.
Os pais de Thiago, Zoroastro e Ivanete, e os irmãos, Bruno e Loraine, participam da Comunidade Nossa Senhora. da Paz. A mãe deu um testemunho que nos emocionou a todos, e que revela uma sensibilidade humana profunda e uma fé em Deus inabalável. Mesmo sofrendo muito, juntamente com o esposo e os filhos, ela declarou, ao lado do caixão, que perdoava o assassino de seu filho Thiago e desejava que a mãe dele nunca passasse pela dor  que ela estava passando.
A CNBB nos lembra que "crianças, adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos na sociedade e, portanto, merecedores de cuidado, respeito, acolhida e principalmente oportunidades".
“A Igreja no Brasil - continua a CNBB - conclama os poderes públicos Executivo, Legislativo e Judiciário bem como a sociedade civil a debater o assunto. Urge a busca de soluções focadas nas políticas públicas que efetivem melhores condições de vida para todos, na implementação de medidas sócioeducativas previstas no ECA e no desenvolvimento de uma política nacional de combate ao narcotráfico, penalizando com maior rigor a manipulação e o aliciamento de crianças, adolescentes e jovens pelo crime organizado" (Declaração da CNBB contra a redução da maioridade penal, Indaiatuba, São Paulo,  abril de 2009).
"CRIANÇA E ADOLESCENTE PRIORIDADE ABSOLUTA" (Constituição Federal, art. 227). Por que será que os nossos governantes e os nossos políticos, em sua grande maioria, não levam a sério esta "prioridade absoluta"? Nas próximas eleições votemos em políticos que queiram realmente servir ao povo e não se servir do povo, aproveitando sua boa fé e traindo sua causa, que é a causa de "um outro mundo possível".

"Basta de morte! Queremos vida!"
           "A juventude quer viver"
"Diga sim aos direitos da juventude"!
(Campanha em Defesa da Vida, iniciada em 2004)

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânja, 20 de novembro de 2009


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Grito dos Excluidos/as 2009



"Estive na prisão e não fostes me visitar" (Mt 25, 42)

            O Grito dos Excluídos/as 2009, em nível nacional, tem como tema: "A vida em primeiro lugar" e, como lema: "A força da transformação está na organização popular". Dentro deste tema geral, em Goiás, foi escolhido um tema expecífico: "Estive na prisão e não fostes me visitar" (Mt 25, 42).
            O Grito dos Excluídos/as será realizado no dia 7 de setembro nas proximidades do Sistema Prisional de Aparecida de Goiânia (antigo Cepaigo), das 8,30 às 12,30h. O enfoque - ligando com a Campanha da Fraternidade deste ano, "Fraternidade e Segurança Pública" - será a luta pela dignidade e pelos direitos dos encarcerados/as.
            Por incrível que pareça, na tarde de segunda feira, 31 de agosto, o deputado estadual José Nelto, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública nos surpreendeu a todos/as, proferindo a seguinte frase: "Policial que mata bandido merece uma medalha".
            Graças à Deus, a postura do deputado causou profunda indignação na sociedade e mereceu o repúdio do Conselho nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União; do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembléia Legislativa; e de muitas outras Entidade ou pessoas (Cf. Diário da Manhã, 02/09/09, p. 8).
            Fazer a apologia do crime, incentivar e aplaudir a prática do crime, é crime, que deve ser punido. O deputado José Nelto deveria ser processado e responder na Justiça pelo crime cometido. A atitude do deputado não só é ilegal, mas é, sobretudo, desumana e antiética. É um absurdo que, em pleno século 21, ainda existam pessoas que pensam assim. Demonstra uma mentalidade fascista e um atraso cultural muito grande.
            Deputado José Nelto: toda pessoa humana, mesmo que tenha cometido um crime, mais ou menos grave, deve ser respeitada em sua dignidade e direitos. Ela tem um valor infinito, ela é imagem e semelhança de Deus.
Infelizmente, na nossa sociedade capitalista neo-liberal - que é uma sociedade discriminadora - as pessoas valem por aquilo que têm e não por aquilo que são.
            Na prisão encontramos muitos pobres, que cometeram algum crime, quase sempre vítimas da nossa sociedade injusta. Os ricos e poderosos, porém, que cometeram crimes, às vezes muito maiores, normalmente não se encontram na prisão, estão livres e se apresentam como "pessoas de bem" (são os chamados criminosos de "colarinho branco"). Precisamos mudar a nossa sociedade para que todos/as sejam tratados com justiça e igualdade
            Falando do sistema prisional, Massimo Pavarini, 62 - professor da Universidade de Bolonha e um dos maiores penalistas da Europa - nos lembra uma grande verdade: a noção de que penas maiores de prisão aumentam a segurança, " é um pecado, uma idéia louca". "Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança". "Quanto mais se castiga um criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime" (Entrevista da 2a, Folha de S. Paulo, 31/08/09, p. A16).
            A sociedade, deputado José Nelto, tem o direito de se defender, mas não tem o direito de matar. O senhor não só fêz a apologia do crime, mas também a apologia da pena de morte. No Brasil não existe a lei da pena de morte e mesmo onde ainda existe, ela é imoral e antiética. Lutemos sempre em defesa da vida. Vale a pena. Venham participar do Grito dos Excluídos/as!
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Goiânia, 04 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Caso Palocci: uma verdadeira farsa


A absolvição de Antônio Palocci foi uma verdadeira farsa, que subestima a inteligência dos brasileiros/as.
Há poucos dias assistimos ao espetáculo deprimente do caso Sarney. Todas as 11 acusações contra o Senador - por pressão dos políticos da base aliada e do próprio Lula -  foram mandadas ao arquivo pelo Presidente do Conselho de Ética (melhor seria dizer, Conselho de Antiética) Paulo Duque (PMDB - RJ).
Segunda-feira, 10 de agosto saiu a notícia na imprensa que 33% do Senado é alvo de inquérito ou ação judicial no Supremo Tribunal Federal (Cf. Folha de S. Paulo, 10/08/09, p. A4).
Sexta-feira, 28 de agosto, mais uma notícia que deixou a todos/as, que têm um mínimo de senso ético, indignados. O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por 5  votos a 4, o pedido do Ministério Público Federal de abertura de processo criminal contra Palocci, pela quebra ilegal de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Não aceitaram a denúncia os ministros Gilmar Mendes (presidente do Tribunal e relator do processo), Eros Roberto Grau, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Os ministros Joaquim Barbosa e Menezes Direito não estavam presentes.
O argumento para rejeitar o pedido foi: provas insuficientes. Segundo o relator do processo só existem "meras suposições que não legitimam por si só a abertura de ação penal" (Folha de S. Paulo, 28/08/09, p. A4). Sempre segundo ele, "há apenas um conjunto de ilações que não estão suficientemente concatenadas para se constituir em elementos de prova" (Ibidem). A atitude do ministro beira o ridículo. Será que foi um "anjo mau" que quebrou ilegalmente o sigilo bancário de Francenildo? Por que será que, quando se trata de poderosos, nunca existem provas suficientes?
Vejamos o que diz o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a respeito do caso Palocci: "Existe certeza do crime e indícios veementes da autoria do crime. É o que basta para o recebimento da denúncia. A prova definitiva será feita no curso dessa investigação" (Ibidem).
A procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República da 3a Região, Luiza Cristina Frischeisen, é do mesmo parecer e afirma que "é triste" ver o Supremo antecipar a produção de provas e discutir a abertura de uma ação como se fosse um julgamento. Diz ela: "No recebimento de uma denúncia, exige-se que a autoria e a materialidade do crime estejam presentes. Depois, no curso do processo, discute-se se há provas suficientes. O Supremo, porém, discutiu se o ministro sabia ou não da quebra. Olha, tanto o Palocci sabia que, na época, ele perdeu o cargo! O que o STF fez foi uma 'absolvição sumária'" (Folha de S. Paulo, 29/08/09, p. A4).
A procuradora regional da República, Janice Ascari, é ainda mais incisiva, quando sustenta: "O Ministério Público tinha indícios contundentes para abrir um processo contra Palocci. A decisão do Supremo, mais uma vez, é contrária à sociedade" (Ibidem), e eu acrescentaria: sobretudo contrária aos pobres. Felizmente ainda existem pessoas éticas que não se deixam corromper pelo poder.
Tudo indica que, na decisão tomada pelo Tribunal, existem artifícios legais e razões escusas (não éticas). É bom também lembrar que, segundo a imprensa, "a decisão sepulta a 21a e última investigação no STF contra Palocci" (Folha de S. Paulo, 28/08/09, p. A4)  Dá para desconfiar. Será que em todas essas investigações faltavam provas suficientes? Senhores ministros, o povo não é burro!
A corrupção e a total falta de ética andam soltas com atitudes descaradas e cínicas, muitas vezes em nome da chamada "governabilidade". Para onde nós vamos? Precisa que o povo se levante e diga: basta!
O 15° Grito dos Excluídos/as 2009, que tem como tema "a vida em primeiro lugar", nos lembra, no lema, que "a força da trasnformação está na organização popular".
O 12° Intereclesial da CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), acontecido em Porto Velho de 21 a 25 de julho de 2009, na "Carta às irmãs e aos irmãos das CEBs e a todo o Povo de Deus", entre outras coisas, afirma: "Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares…" (N° 22). "Assumimos também o compromisso de respaldar modelos econômicos alternativos…" (N° 24). "Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância em movimentos sociais e partidos ligados às lutas populares…" (N° 25).
Na celebração de abertura do 12° Intereclesial das CEBs, Dom Moacir Crecchi, arcebispo de Porto Velho, lembrou um provérbio africano, que para nós é motivo de muita esperança: "Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias" (N° 5).
É este o caminho para lutar contra todo tipo de corrupção e injustiça - sobretudo corrupão e injustiça estrutural - e fazer acontecer uma nova sociedade.

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 01 de setembro de 2009


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos