segunda-feira, 26 de abril de 2010

A situação subumana dos presos em Goiás

"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)

            As quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos fundamentais estão sendo permanentemente violados.
            O Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio, sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de fevereiro/10, p. 2).
            Diante desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar, seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual, quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
             "O Estado - afirma o Promotor Haroldo Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            Pergunto: Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de fevereiro/10, p. 3).
            Na Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
            A Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            O Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto, que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da 4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os  presos que estavam no Presídio Semiaberto. O promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
            O mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano,  publicou mais uma reportagem sobre os presos doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema e para a sociedade, quando postos em liberdade".
            E continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem  com a falta de remédios. Reunidos numa ala da Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do sistema penitenciário? 
            Os presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus porta-vozes.
            Deus disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   

Goiânia, 26 de abril de 2010

domingo, 4 de abril de 2010

Carta aberta ao ministro Paulo Vannucchi

Senhor Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:
Como o senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás, que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e legais para processar e julgar ninguém.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes não fiquem impunes e não caiam no esquecimento. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   
Goiânia, 04 de abril de 2010


sexta-feira, 2 de abril de 2010

O caso do Parque Oeste Industrial: cinco anos de impunidade


"Nós somos fortes, somos guerreiros, somos povo lutador"
(Músico Marcos, Canção "Nossa História")

O músico Marcos, companheiro sem-teto da Ocupação "Sonho Real" foi um dos que foram espancados brutalmente pela Polícia Militar no dia 16 de fevereiro de 2005 durante a desocupação da área. A canção, intitulada "Nossa História" encheu muitas vezes os olhos de lágrimas de todos os companheiros/as que estavam unidos na luta pela moradia, pois expressava a sensação de força que o povo adquire quando se une por um objetivo comum. Infelizmente, a vitória não foi dessa vez, mas a esperança nunca morre.
No dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial na Região Sudoeste de Goiânia. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nessas Operações Militares - como já dissemos outras vezes - todos os Direitos Humanos fundamentais foram violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos/as e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável,  é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No Jornal O Popular do dia 30 de março deste ano saiu a notícia que o major Alessandri da Rocha Almeida vai a júri popular pela morte de Vagner da Silva Moreira, porque "duas testemunhas ouvidas em juízo garantiram ter visto o major atirando contra a vítima, que estava desarmada quando foi alvejado" (p.2). Esta notícia é sem dúvida um fato positivo, mas  o que nós queremos não é só isso.  Queremos que sejam investigadas e julgadas as Operações "Inquietação" e "Triunfo", como grave violação dos Direitos Humanos. O Estado de Goiás - que foi o responsável dessas Operações criminosas - não tem as mínimas condições legais e éticas de fazer isso.
Portanto - para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita - pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito no Ato Público de 2009, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Chegando ao final do meu Artigo, lembro parte do poema "Saudades de Pedro" da viúva Eronildes Nascimento:
"Pedro!/ Destruíram sua vida e a minha/ Destruíram nossa casa/ Destruíram nossa família/ Destruíram nossos sonhos/ Eu olho suas fotos, leio suas cartas e/ Vejo-te alegre e sonhador!/ Confiante na vida, a vida que ti foi tirada/ Meu amor nem tempo deram para nos despedirmos/ Eu jamais pensei que iria te perder/ Nada é mais difícil do que viver sem você/ Nossos pertences me trazem você/ Ainda sinto seu cheiro/ Todos os dias espero o seu regresso/ Sinto uma dor muito forte no peito/ Sinto saudades, lembro de você sempre alegre a sorrir/ Você era justo, guerreiro e lutador/ Era marido e um pai maravilhoso/ Tiraram-me você/ (…) Pedro Nascimento/ Para sempre ti amarei".
Lembro também a "Carta para Deus", escrita por Sônia Chaves dos Santos dias antes de seu falecimento (01/04/05), quando já estava internada. Sonia faleceu de falência múltipla dos órgãos, resultado de uma infecção generalizada contraída no banheiro do Ginásio do bairro Capuava, vítima do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Eis o texto:
"Quero que um anjo venha ler esta carta"
"Eu quero receber a minha vitória, ainda neste mês, eu quero o dinheiro para eu comprar minha casa.
Desejo viver com o homem da minha vida e meus três filhos, sem depender de ninguém, eu já venci as barreiras, quem segura na mão de Deus não cai, eu já venci.
Eu quero receber coisas novas, Senhor me renova, eu não sou sua filha única, mas eu já sofri muito e não quero mais sofrer, pois eu estou acabando de vencer".
Gostaria agora de perguntar: Será que o poema de Eronildes e a carta de Sônia não dizem nada aos responsáveis dessa barbárie? Será que eles conseguem dormir com a consciência tranquila? Lembrem-se que Deus é justo. A justiça humana pode falhar, mas a justiça de Deus nunca falha.
No dia 21 de fevereiro deste ano realizamos um Ato Público no Parque Oeste Industrial às 9,00h e um Culto Ecumênico no Colégio Municipal Renascer do Residencial Real Conquista às 19,30h. Nesses dois momentos fizemos a "memória" de tudo o que ocorreu no Parque Oeste Industrial, e essa memória - mesmo muito sofrida - levou-nos a nos unir mais, a renovar a nossa esperança e a fortalecer a nossa fé num mundo novo, onde todos/as sejam irmãos e irmãs.

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Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de abril de 2010

sábado, 30 de janeiro de 2010

"A verdade vos libertará" (Jo 8, 32)

Fiquei pasmo ao constatar a celeuma que o meu artigo sobre as crianças nas ruas de Goiânia provocou, sobretudo nos meios político-partidários. Ninguém acredita - parece - que ainda possam existir pessoas escrevendo artigos sem nenhum interesse pessoal, sem mentiras, sem ordem de ninguém, por puro amor à verdade e em solidariedade ao povo sofrido (sobretudo crianças e adolescentes) na defesa de seus direitos fundamentais.
Dom Fernando Gomes dos Santos, quando o acusavam de ser contra o governo, como verdadeiro pastor e profeta, dizia: "Eu sou a favor do povo. Se o governo estiver a favor do povo, estarei com ele, se for contra o povo, estarei contra ele". Como me considero discípulo de Dom Fernando - por ter sido amigo e colaborador dele - faço minhas as suas palavras.
É um absurdo, e de certa forma ridículo, dizer que eu escrevo artigos a mando do Marconi, por ser cabo de chicote dele (cf. DM, 16/01/10).  Inclusive, no meu artigo sobre as crianças nas ruas, citei como exemplo do "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385), no qual nós vivemos, a barbárie do Parque Oeste Industrial, que demonstrou a submissão total do Poder Público aos interesses econômicos do setor imobiliário, que foi a pior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, com requintes de crueldade inconcebíveis no século XXI, e que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos.
Se em nossa sociedade existisse um mínimo de justiça, os responsáveis por esse crime - que são o governador Marconi Perillo, o secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) e que até hoje estão impunes - deveriam ser processados, condenados e impedidos de se candidatar a qualquer cargo público.
Chega de politicagem! Vamos fazer uma política séria, com responsabilidade e a serviço de todos, a partir dos empobrecidos, marginalizados e excluídos.
As "Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2008-2010", falando de nossa realidade,  observam: "É inquestionável o enfraquecimento da política decorrente das mudanças culturais como a difusão do individualismo e, principalmente, do crescimento do poder dos grandes grupos econômicos, impondo suas decisões e substituindo as instâncias políticas, com riscos para a democracia. Certamente, houve desencanto e diminuição da confiança do povo nos políticos, nas instituições públicas e nos três poderes do Estado; em contrapartida, surgiram novos sinais de esperança e de empenho político, como muitas organizações alternativas, não governamentais. Também muitas pessoas, inclusive jovens, se reúnem em movimentos sociais, sem vinculação partidária, para defender, com energia, os direitos individuais e para expressar a esperança de um outro mundo possível" (DGAE, 33).
Na América Latina há atualmente - continua o Documento - "uma crescente consciência da sociedade em exigir políticas públicas nos campos da saúde, educação, segurança alimentar (eu acrescentaria, soberania alimentar), previdência social, acesso à terra e à moradia, criação de empregos e apoio a organizações solidárias" (DGAE, 34).
A melhoria da qualidade, dos governantes e de todos nós. É isso que sonhamos e queremos.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 30 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Nós não temos crianças nas ruas"

É inacreditável! O nosso Prefeito Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, O7/01/10, p. 12).
Realmente é assustador ouvir estas palavras de um homem que se diz tão experiente na prática política. Estes "programas sociais" são em geral de má qualidade, são muito mal organizados, a pedagogia dos educadores não é uma pedagogia que liberta, que leva as crianças a ter autoestima e a ser sujeitos de sua própria formação integral, e, por fim, estes  "programs sociais" não atingem as reais necessidades da maioria das nossas crianças e suas famílias. Trata-se de mero assistencialismo. Mas, mesmo admitindo que estes programas fossem de ótima qualidade, o que significam 7.500 crianças para a cidade de Goiânia?
Depois destas afirmações absurdas, o Prefeito disse: "Vamos lutar para que Goiânia seja destaque nacional nessas áreas imprescindíveis à pessoa humana" (DM, p. 12). O que importa, senhor Prefeito, não é "ser destaque nacional", mas trabalhar com amor, dedicação e de maneira desinteressada em benefício das crianças pobres e subnutridas dos nossos bairros da periferia, vítimas de uma sociedade estruturalmente injusta e de um  "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385).
Como exemplo deste "sistema econômico iníquo", basta lembrar a barbárie do Parque Oeste Industrial, que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos e os verdadeiros culpados pelo crime - que são o Governador, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) - até hoje estão impunes.
Sempre segundo o "Diário da Manhã", antes de proferir as palavras citadas, o Prefeito tinha pedido a seus auxiliares: "Vamos lutar para que possamos, em quatro anos, deixar 40 anos de trabalho" (DM, p.12). Tomara, senhor Prefeito! Infelizmente - acredito eu - trata-se de atitude populista e de  mera demagogia político eleitoreira.
Voltando ao assunto das "crianças nas ruas", não quero agora trazer estatísticas. Se quiserem, os interessados podem procurar o Ministério Público Estadual, que fornecerá informações verídicas a esse respeito.
Para quem sabe enxergar a realidade, basta andar nos bairros da periferia de Goiânia e também no centro da cidade, para ver quantas crianças temos nas ruas, que andam perambulando, sem saber o que fazer. Depois das aulas, muitas vezes de péssima qualidade, como as crianças vão ocupar o seu tempo? Será que as crianças vão ficar sempre em casa (quando têm casa) bem comportadinhas, assistindo, talvez, programas de televisão, que não são certamente educativos? Ou será que vão para a rua, descarregando suas energias? Os pais das crianças, quando tem um emprego ou um subemprego, estão fora de casa trabalhando.
As crianças que encontramos não são - é verdade - todas crianças "em  situação de rua" (acostumadas a ficar dia e noite nas ruas). Muitas delas têm família, mas, às vezes, família incompleta, família desestruturada, família com diversos problemas, família que passa por momentos difíceis, família que luta com dificuldade pela sobrevivência, família que de fato não tem as mínimas condições para sustentar e educar seus filhos. É por causa desta situação social de exclusão e de injustiça que as crianças passam o maior parte de seu tempo nas ruas, vítimas fáceis do mundo da violência e das drogas. E, entrando no mundo da violência e  das drogas, são hipocritamente tratadas como caso de polícia. 
Precisamos urgentemente de políticas públicas para as crianças e suas famílias. Precisamos de educadores preparados e dedicados, que trabalhem com amor, que saibam caminhar com o  povo, construindo juntos a esperança de um "outro mundo possível".
Quem convive diariamente com o povo dos nossos bairros e das nossas comunidades da periferia, no meio de muitas dificuldades e de muito sofrimento, encontra também (falo por experiência própria) tanta  profundidade humana e tanta  sabedoria, que não se aprende na escola e na universidade. Basta ter o coração aberto, saber escutar e  se deixar educar pelo povo. A melhor escola e a melhor universidade é a experiência de vida de quem, com coragem sobre humana, com fé inabalável e com grande sabedoria enfrenta "sorrindo" situações limite. Basta que nos despojemos de nossa arrogância (como quem diz "eu sei o que é bom para o povo"), de nossa autossuficiência e de nossa postura de superioridade, para nos tornarmos "discípulos" do único mestre Jesus Cristo. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10). Assim fazendo, o nosso jeito de ser e de viver será bem diferente e falaremos como quem tem "autoridade". "As pessoas ficavam admiradas com o ensinamento de Jesus, porque ele falava com autoridade" (Lc 4, 32).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 11 de janeiro de 2010





sábado, 26 de dezembro de 2009

Um crime que clama por justiça

Quem leu a reportagem do Jornal "O Popular" do dia 13 de dezembro/09 sobre os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) e tem um mínimo de sensibilidade humana ou de senso ético, não pode deixar de ficar profundamente indignado. Trata-se de um crime, praticado pelos poderes públicos municipais, que clama por justiça,.
            "Mais de R$ 5,4 milhões estão parados em fundos criados exclusivamente para assegurar os direitos de crianças e adolescentes. O dinheiro, que deveria ser utilizado  em  programas voltados para a defesa da infância, fica parado nas contas bancárias sem qualquer previsão de gasto ou, então, retorna para as prefeituras custearem outras despesas da administração, ao arrepio da lei. Quando são gastos, em grande parte dos casos, esses recursos acabam destinados de forma indevida, sem representar um avanço dos programas de amparo à infância e à juventude em Goiás" (p. 4 ).
            Por causa do descaso e da irresponsabilidade dos poderes públicos municipais, a violência contra os adolescentes e jovens aumenta a cada dia que passa. Assistimos passivamente a um verdadeiro extermínio da nossa juventude. Cito só dois exemplos. Nos bairros São Domingos e Boa Vista, da Região Noroeste de Goiânia, de janeiro até dezembro de 2009, foram assassinados 25 adolescentes e jovens, entre os quais, uma criança que foi vítima de bala perdida enquanto estava saindo de sua Igreja com a família. Algumas pesquisas afirmam que, na grande Goiânia, são assassinados em média de 15 a 20 adolescentes e jovens por semana. É uma realidade que grita diante de Deus. A Constituição brasileira nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
            A desculpa que as autoridades costumam dar é que não existem (ou existem poucas) Organizações Não-Governamentais (ONG) ou outras Entidades que sejam idóneas e tenham todos os requisitos legais necessários para receberem verbas públicas. É verdade que Organizações Não-Governamentais e outras Entidades da sociedade civíl podem colaborar com o poder público e fazer um trabalho complementar, mas a obrigação principal e do próprio poder público. É ele que, em caráter absolutamente prioritário, deve implementar políticas públicas em defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens.
No município de Goiânia - além dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), muito precários e insuficientes, e das Escolas de Ensino Fundamental, na maioria das vezes, de péssima qualidade - só existem alguns Centros de Referência e Assistência Social (CRAS), muito mal organizados e que não atendem, nem minimamente, as urgentes necessidades das nossas crianças, adolescentes e jovens. Não temos programas educativos que respondam de verdade aos desafios da realidade das crianças, adolescentes e jovens. O que as crianças, adolescentes e jovens dos nossos bairros vão fazer depois das aulas? Quem se preocupa em criar possibilidades de trabalho para os jovens?
A  psicóloga Elisabeth Monteiro afirma: "o jovem que se sente valorizado e respeitado na família e que é útil para a sociedade (estimulado a conhecer desde cedo o valor do trabalho ou a participar de ações voluntárias, por exemplo) tem autoestima elevada e dificilmente segue por um caminho que faça mal a outra pessoa ou a si mesmo" (Folha de São Paulo, Equilíbrio, Entrevista: Em defesa dos adolescentes, 17/12/09, p.3).
Não havendo - a não ser em casos muito especiais - programas educativos que levem as nossas crianças, adolescentes e jovens a ter autoestima e a discobrir o verdadeiro sentido da vida, só resta a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência e das drogas.
Costuma-se apontar as famílias desestruturadas como causa do envolvimento dos adolescentes e jovens com as drogas. As famílias têm, é verdade, sua parte de responsabilidade, mas a principal responsável e a nossa sociedade injusta, que coloca no centro de tudo o dinheiro e o lucro, e não a pessoa humana.
No final de novembro - com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - as Pastorais da Juventude do Brasil (Pastoral da Juventude - PJ, Pastoral da Juventude Estudantil - PJE, Pastoral da Juventude Rural - PJR e Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP) lançaram oficialmente a Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens. A Campanha vem sendo organizada desde maio/09, conta com o apoio de inúmeras Organizações de todo o país e tem como marca várias mãos abertas indicando um "basta" a toda forma de violência. Estão previstas pela Campanha várias iniciativas, como a realização de seminários estaduais e marchas locais em 2010 e a organização de uma grande marcha nacional em 2011.
A Coordenação Nacional da Pastoral da Juventude (CNPJ) e a Comissão Nacional de Assessores da Pastoral da Juventude (CNAP) nos lembram que a Campanha "só ganhará força se abraçada por todos e todas em suas Comunidades locais, em um trabalho em rede que pretende debater e sensibilizar a sociedade e o poder público, sobre a morte que os/as jovens têm sofrido todos os dias, nas diferentes realidades do Brasil. Não podemos nos calar diante deste quadro de morte, ao contrário nossos grupos de jovens, as pessoas que lutam e sonham pelo Reino de Deus, são convocados/as a denunciar toda essa exclusão" (www.juventudeemmarcha.org.br).

           
"Glória a Deus no mais alto dos céus, e PAZ na terra aos homens e mulheres por Ele amados" (Lc 2,14).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de dezembro de 2009


sábado, 5 de dezembro de 2009

Os trabalhadores do material reciclável


         A decisão da Prefeitura de Goiânia de retirar das ruas todos os carrinhos de 2.500 trabalhadores do material reciclável (e não dos "catadores de lixo", como se costuma dizer) é uma grande injustiça. Os trabalhadores do material reciclável - como todos os trabalhadores - devem ser respeitados e valorizados. O poder público não pode tomar decisões que comprometem a vida dos trabalhadores (e suas famílias) sem conversar, dialogar e construir, junto com eles - através de suas lideranças - a melhor solução possível. Os trabalhadores precisam se sentir felizes em poder participar ativamente de tudo o que diz respeito a sua própria vida.
            No Brasil - como afirma o jornalista Washington Novais - os trabalhadores do material reciclável (papel, papelão, plásticos, vidros, latas de alumínio) "são uma verdadeira legião de heróis. Algumas centenas de milhares - há quem fale em um milhão - trabalham todos os dias nas ruas das cidades, de sol a sol, expostos a intempéries, sem garantia de rendimentos, férias, 13° salário, planos de saúde" (O Popular, 3 de dezembro, p. 7)..
O poder público, com a assessoria de técnicos - que não sejam meros burocratas, mas pessoas de profunda sensibilidade humana e amor ao povo - deve criar novas possibilidades para os trabalhadores do material reciclável, que é um serviço tão importante para a vida do nosso planeta. Deve ainda prever os recursos necessários para melhorar as condições de trabalho das cooperativas já existentes e colaborar com o surgimento de novas cooperativas, que sejam verdadeiras empresas comunitárias, gestidas pelos próprios trabalhadores e onde os trabalhadores se sintam bem e realizem o seu trabalho com prazer.
A prática política não pode ser uma prática populista e paternalista, mas uma prática libertadora, que leve o ser humano a ser sujeito de suas opções, atitudes e atos. Todo ser humano tem o mesmo valor e a mesma dignidade. Não é o trabalho que dá valor e dignidade ao ser humano, mas é o ser humano que dá valor e dignidade ao trabalho.
Precisamos urgentemente de políticas públicas para as crianças, os adolescentes e os trabalhadores, sobretudo jovens. Para citar um caso concreto da situação desumana na qual nós vivemos, somente nos bairros São Domingos e Boa Vista, na Região Noroeste de Goiânia, foram assassinados, de janeiro a novembro deste ano, 25 adolescentes e jovens envolvidos com o mundo das drogas. Ninguém de nós pode ficar insensível ou indiferente diante desta realidade tão cruel e dramática. Os nossos políticos e governantes devem lembrar que foram eleitos para servir ao povo, principalmente aos empobrecidos e excluídos. 
Como nos lembra o Documento de Aparecida da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe "uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. Com ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia ou sem poder, mas está fora. Os excluídos não são somente 'explorados', mas 'supérfluos' e 'descartáveis" ( DA, 65).
A respeito dos trabalhadores do material reciclável, em Goiânia - como nos lembra mais uma vez o jornalista Washington Novais - "ainda há tempo de corrigir rumos. O que não faz sentido é proibir sua atividade argumentando também que seus carrinhos atrapalham o trânsito de automóveis, quando estes é que inviabilizam o trânsito - mais um privilégio para o trasporte individual, desconsiderando os direitos e necessidades de um setor de extrema utilidade social" (O Popular, 3 de dezembro, p. 7).
Enfim, todos e todas precisamos ser solidários e unidos na defesa dos direitos dos trabalhadores do material reciclável. Eles precisam do nosso apoio de irmãos e irmãs. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 05 de dezembro de 2009





A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos