quinta-feira, 27 de maio de 2010

Quem executou Walter e Jeferson?


Com a palavra o novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, que - por ter integrado a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-GO - espero seja sensível à causa dos Direitos Humanos e, sobretudo, à causa do primeiro de todos os Direitos Humanos, que é o Direito à vida.
A sociedade, senhor Secretário, exige o quanto antes uma resposta clara e objetiva à pergunta: quem executou os moradores de rua Walter e Jeferson?  Espero que o senhor faça uma investigação séria e honesta a respeito do caso e que os responsáveis desta covarde e criminosa execução - civis ou policiais - sejam processados, julgados e punidos.
            Relembremos o caso: Por volta das 3,30h do dia 20 de maio deste ano "o morador de rua Walter de Santana Alves Feitosa, de 32 anos, foi morto com dois tiros no tórax, quando dormia em um corredor de acesso a barracões de um imóvel na Avenida Goiás Norte, no Setor Norte Ferroviário, onde estava acostumado a dormir". Walter passava o dia na Praça do Trabalhador e era "usuário de drogas, com passagens na Polícia por pequenos furtos". Infelizmente, na nossa sociedade hipócrita, quem pratica grandes furtos (desvio de verbas públicas, superfaturamentos, etc.), normalmente não tem passagem na Polícia…
            "A mesma rotina (de Walter) era seguida pelo adolescente Jeferson Ferreira Barbosa, de 16 anos, executado com dois tiros (…), na Avenida Leste-Oeste, esquina com a Avenida República do Líbano, no Setor Marechal Rondon", pouco depois da 3,30h do mesmo dia.
Os dois assassinatos "ocorreram em locais próximos e as vítimas possuíam perfis parecidos, o que leva a Polícia Civil a acreditar que o executor foi o mesmo" (O Popular, Cidades, 21 de maio de 2010, p. 4).
Que maldosa covardia! Quanta violência por causa do envolvimento com o mundo das drogas e - o que é pior - quanta violência policial! A vida humana - parece - não tem nenhum valor. Em que sociedade nós estamos! Em pleno século XXI, a nossa sociedade é ainda uma sociedade estruturalmente injusta e assassina. Chega de tanta barbárie! Chega de tantas mortes! Vamos defender a vida. Não importa se a pessoa humana é culpada ou inocente.
Uma Agente de Pastoral, que - com sensibilidade humana e com muito respeito  - trabalha com os moradores de rua, conhecia há tempo Walter e Jeferson, e tinha com eles um diálogo fraterno. Um dia, prevendo sua própria morte, com um olhar sofrido e triste, Walter e Jeferson falaram para à Agente de Pastoral: "Tia, a senhora não vai nos ver mais, porque vamos morrer". Que drama! A Agente de Pastoral ficou em estado de choque e profundamente indignada com a notícia da bárbara execução dos dois moradores de rua, que se tornaram seus irmãos e amigos.
E por falar em violência policial, há poucos dias um jovem Pré-Noviço dos Frades Dominicanos (que mora, com outros oito jovens, na nossa Comunidade religiosa do Convento São Judas Tadeu, no Setor Coimbra), quando voltava do curso de espanhol e se encontrava no ponto de ônibus com outras pessoas, foi abordado pela Polícia Militar de maneira arrogante, desrespeitosa e humilhante. Com que direito a Polícia Militar faz isso? Será que não está na hora de mudar totalmente o tipo de formação que os policiais recebem?  Será que não precisamos acabar, de uma vez por todas, com esta mentalidade cultural retrógrada e nazista? Quantos casos de violência policial - muitas vezes com mortes - que todos nós conhecemos e que poderíamos contar!
Lembrem-se, os responsáveis de tanta violência e maldade, das palavras de Jesus: "Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram!" (Mt 25, 40). 


Lembrem-se, também, da parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Cf. Lc 16, 19-31). O pobre Lázaro - no nosso caso - se chama Walter, se chama Jeferson. Tenho certeza na fé que - apesar de tanta covardia e maldade - os nossos irmãos, os moradores de rua Walter e Jeferson, completaram sua Páscoa e, libertos de todo sofrimento, se encontram agora na plenitude do Reino de Deus, na plenitude da vida, na plenitude da felicidade. Deus é justo.
E nós, "o homem rico", somos também de alguma forma - direta ou indiretamente, por ação ou por omissão - responsáveis por tamanha barbárie. Só nos resta um caminho: a conversão e a mudança de vida. Nada, porém, nos levará a essa conversão e mudança de vida, se não formos capazes de abrir o coração para a Palavra de Deus, o que nos leva a voltar-nos para os pobres (Cf. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. Nota de rodapé). "A parábola (do homem rico e do pobre Lázaro) é exigência de profunda transformação social, para criar uma sociedade onde haja partilha de bens entre todos" (Ib.). É esta a nossa missão de cristãos(ãs), é a mesma missão de Jesus de Nazaré.   


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 27 de maio de 2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Arnaldo Jabor: um atirador enlouquecido


O Jornal O Popular do dia 20 de abril/10, o Jornal O Globo e outros Jornais de circulação nacional e regional publicaram a matéria "Só os anjos não têm sexo" do jornalista Arnaldo Jabor. Trata-se de um texto que deixa qualquer pessoa de bom senso profundamente indignada. As afirmações do jornalista são uma verdadeira enxurrada de besteiras e desrespeitam a dignidade de qualquer ser humano, seja ele santo ou pecador. São afirmações cínicas, levianas e superficiais que enxovalham tudo. Revelam uma personalidade psicologicamente desequilibrada e intelectualmente desonesta. Como um louco, Arnaldo Jabor atira em todas as direções, sem provar e/ou documentar nada. A autossuficiência e a arrogância do jornalista são tamanhas que suas afirmações se desqualificam por si mesmas. Graças a Deus, os leitores não são imbecis.
Em primeiro lugar, Arnaldo Jabor fala da pedofilia como se fosse um problema só da Igreja Católica. A pedofilia - todos nós sabemos - é um problema da humanidade e, como a Igreja Católica faz parte da humanidade, é também um problema da Igreja Católica.
Em segundo lugar, o jornalista fala da pedofilia na Igreja Católica como se fosse uma obsessão, como se fosse um clima ou um ar que se respira diariamente em todas as casas de padres e religiosos/as, envolvendo fatalmente a todos/as num ambiente lúgubre e demoníaco.           
Diz Arnaldo Jabor: "Pedofilia e homossexualismo pairam no ar de qualquer internato religioso". "No velho colégio de padres onde estudei, a entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia". "No colégio, tudo era sexo dissimulado". E ainda (pasmem!): "A própria escolha da vida religiosa já é uma negação alucinada da sexualidade - se a força  máxima da vida é esmagada, a Igreja vira uma máquina de perversões" (O Popular, Caderno Magazine, p. 3). Toda a matéria do Jornal é um elenco interminável de afirmações absurdas, que nem merecem ser tomadas em consideração.
A Igreja Católica é uma Instituição religiosa que tem como ideal compreender e viver a vida humana numa dimensão de fé cristã. "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 11). "O mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (Ib., 22).
A Igreja Católica, mesmo sendo uma Instituição religiosa, é uma Instituição humana, isto é, histórica, situada e datada, com as limitações, erros e acertos inerentes a cada situação e a cada tempo. Em outras palavras, é uma Instituição de seres humanos e todo ser humano é um "vir-a-ser", um ser em construção. Onde existe o ser humano, existem também crimes e pecados, seja pessoais, seja estruturais ou institucionais. Esta é a condição do ser humano no mundo. A Igreja não foge a isso.
Por exemplo, se é verdade que a Igreja, em seus colégios e internatos, usou no passado métodos de formação e pedagogias que hoje consideramos superadas, é verdade também que estes métodos de formação e pedagogias eram então comuns.
Hoje, com a valiosa contribuição de pessoas ligadas à Igreja Católica, como o grande filósofo da educação Paulo Freire e outros inúmeros cientistas, filósofos e teólogos, surgiram novos métodos de formação e novas pedagogias numa linha libertadora e humanizadora. As ciências humanas - como todas as ciências - evoluem sempre. 
Não quero aqui justificar erros e aberrações que a Igreja Católica ou pessoas da Igreja Católica cometeram ou cometem. A História da Igreja Católica - como toda a história humana - é um processo dialético, feito de contradições e ambiguidades, e é nestas contradições e ambiguidades que a Igreja Católica procura ser sempre mais fiel ao projeto de Jesus Cristo, que é um projeto radicalmente humano e que, à luz da fé, chamamos de Reino de Deus.
Quantos exemplos de radicalismo humano temos, hoje também, na Igreja Católica. Basta lembrar o testemunho de vida de Dom Oscar Romero, de Pe. Josimo, da irmã Dorothy, da madre Teresa de Calcutá, de Dom Helder Câmara e de tantos outros/as. E ainda: quantas pessoas que, depois de conversar e conviver com padres e religiosos/as, voltam para suas casas edificadas e dando testemunho do equilíbrio, da serenidade, da paz, da sensibilidade e da profundidade humana que encontraram nos padres e religiosos/as. Quantos padres e religiosos/as sentem-se realizados como seres humanos e transmitem sua realização numa vivência alegre e feliz. Será que isso não conta nada para Arnaldo Jabor?
Qualquer humanista, à luz do pensamento filosófico (racional) e/ou teológico, sabe que a sexualidade é uma dimensão e, ao mesmo tempo, um valor que marca a totalidade da vida e da existência humana. Todas as opções, atitudes e atos do ser humano são "sexuados"
A sexualidade (que não se reduz à genitalidade, mas a inclui) é constitutiva do ser humano, que existe como homem (vir) e mulher (mulier). Para o ser humano (homo), o significado "humano" de ser homem (macho, vir) e mulher (fêmea, mulier) está precisamente e essencialmente na relação entre pessoas; em outras palavras, está na reciprocidade do encontro entre seres humanos. Torna-se homem e mulher na reciprocidade, isto é, no face a face do homem e da mulher. Um ser humano é verdadeiramente homem (vir) - em sentido humano - diante da mulher (mulier), e a mulher é verdadeiramente mulher (mulier) - em sentido humano - diante do homem (vir). A sexualidade é o fato de o ser humano (homo) ser dois (vir e mulier) e se manifestar na reciprocidade (na relação, no encontro intersubjetivo). Ora, reciprocidade se dá unicamente onde se dá alteridade, ou seja, onde dois seres humanos existem plenamente. Quando o ser humano (homo) se torna relação (ser-para-um-outro), ele revela-se a si mesmo como homem (vir) ou mulher (mulier) no face a face. É, pois, neste face a face que se reconhece como ser humano (vir ou mulier) e é reconhecido como tal. Não é, portanto, a sexualidade que nos faz inventar o amor, mas é o amor que nos revela a natureza da sexualidade. Neste contexto do encontro interpessoal manifestam-se todas as possibilidades de linguagem e de reconhecimento do outro como outro, isto é, todas as possibilidades "humanas" das componentes do homem e da mulher, como as diferenças fisiológicas, o erotismo, as caracterizações psicológicas, as elaborações culturais, etc.
À sexualidade pertence a fecundidade. Ela é predisposta pela estrutura biológica e fisiológica do homem e da mulher, e se reveste de uma dimensão interpessoal na vivência do reconhecimento mútuo como homem e como mulher, e na instauração de um novo diálogo com um novo ser. A estrutura homem-mulher é, podemos dizer, a estrutura que mais profundamente manifesta (exprime), no ser humano, sua natureza interpessoal e é o caminho normal para realizá-la (Cf. Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica.  Elle Di Ci, Torino, 1981,  p. 88-89)
Portanto, ninguém renuncia à sexualidade humana ou ninguém "esmaga" a sexualidade humana (como afirma Arnaldo Jabor).. Quando o diácono, antes de sua ordenação presbiteral (de Padre), assume - livre e conscientemente - o compromisso do celibato ou quando o religioso/a faz o voto de castidade renuncia ao exercício da sexualidade em sua expressão genital, ao casamento (que a Igreja considera um sacramento, um caminho de santidade) e a uma família biológica por um amor maior ou, podemos dizer, por excesso de amor (não por falta de amor ), dedicando-se, de maneira radical e integral à causa do Reino de Deus. "Amem-se  uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos" (Jo 15, 12-13).
A vida de qualquer ser humano (homem  ou mulher) neste mundo é cheia de renúncias, mas toda renúncia só tem sentido se for por amor ou por excesso de amor. Só à luz da fé podemos compreender plenamente o sentido da opção de vida dos padres e dos religiosos/as. Todos, porém, que amamos a vida humana e lutamos por ela, podemos valorizar e, sobretudo, respeitar esta opção de vida. É isso que gostaríamos de pedir ao jornalista Arnaldo Jabor. "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundancia" (Jo 10,10).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 05 de maio de 2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A situação subumana dos presos em Goiás

"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)

            As quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos fundamentais estão sendo permanentemente violados.
            O Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio, sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de fevereiro/10, p. 2).
            Diante desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar, seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual, quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
             "O Estado - afirma o Promotor Haroldo Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            Pergunto: Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de fevereiro/10, p. 3).
            Na Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
            A Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            O Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto, que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da 4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os  presos que estavam no Presídio Semiaberto. O promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
            O mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano,  publicou mais uma reportagem sobre os presos doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema e para a sociedade, quando postos em liberdade".
            E continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem  com a falta de remédios. Reunidos numa ala da Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do sistema penitenciário? 
            Os presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus porta-vozes.
            Deus disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   

Goiânia, 26 de abril de 2010

domingo, 4 de abril de 2010

Carta aberta ao ministro Paulo Vannucchi

Senhor Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:
Como o senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás, que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e legais para processar e julgar ninguém.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes não fiquem impunes e não caiam no esquecimento. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   
Goiânia, 04 de abril de 2010


sexta-feira, 2 de abril de 2010

O caso do Parque Oeste Industrial: cinco anos de impunidade


"Nós somos fortes, somos guerreiros, somos povo lutador"
(Músico Marcos, Canção "Nossa História")

O músico Marcos, companheiro sem-teto da Ocupação "Sonho Real" foi um dos que foram espancados brutalmente pela Polícia Militar no dia 16 de fevereiro de 2005 durante a desocupação da área. A canção, intitulada "Nossa História" encheu muitas vezes os olhos de lágrimas de todos os companheiros/as que estavam unidos na luta pela moradia, pois expressava a sensação de força que o povo adquire quando se une por um objetivo comum. Infelizmente, a vitória não foi dessa vez, mas a esperança nunca morre.
No dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial na Região Sudoeste de Goiânia. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nessas Operações Militares - como já dissemos outras vezes - todos os Direitos Humanos fundamentais foram violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos/as e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável,  é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No Jornal O Popular do dia 30 de março deste ano saiu a notícia que o major Alessandri da Rocha Almeida vai a júri popular pela morte de Vagner da Silva Moreira, porque "duas testemunhas ouvidas em juízo garantiram ter visto o major atirando contra a vítima, que estava desarmada quando foi alvejado" (p.2). Esta notícia é sem dúvida um fato positivo, mas  o que nós queremos não é só isso.  Queremos que sejam investigadas e julgadas as Operações "Inquietação" e "Triunfo", como grave violação dos Direitos Humanos. O Estado de Goiás - que foi o responsável dessas Operações criminosas - não tem as mínimas condições legais e éticas de fazer isso.
Portanto - para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita - pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito no Ato Público de 2009, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Chegando ao final do meu Artigo, lembro parte do poema "Saudades de Pedro" da viúva Eronildes Nascimento:
"Pedro!/ Destruíram sua vida e a minha/ Destruíram nossa casa/ Destruíram nossa família/ Destruíram nossos sonhos/ Eu olho suas fotos, leio suas cartas e/ Vejo-te alegre e sonhador!/ Confiante na vida, a vida que ti foi tirada/ Meu amor nem tempo deram para nos despedirmos/ Eu jamais pensei que iria te perder/ Nada é mais difícil do que viver sem você/ Nossos pertences me trazem você/ Ainda sinto seu cheiro/ Todos os dias espero o seu regresso/ Sinto uma dor muito forte no peito/ Sinto saudades, lembro de você sempre alegre a sorrir/ Você era justo, guerreiro e lutador/ Era marido e um pai maravilhoso/ Tiraram-me você/ (…) Pedro Nascimento/ Para sempre ti amarei".
Lembro também a "Carta para Deus", escrita por Sônia Chaves dos Santos dias antes de seu falecimento (01/04/05), quando já estava internada. Sonia faleceu de falência múltipla dos órgãos, resultado de uma infecção generalizada contraída no banheiro do Ginásio do bairro Capuava, vítima do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Eis o texto:
"Quero que um anjo venha ler esta carta"
"Eu quero receber a minha vitória, ainda neste mês, eu quero o dinheiro para eu comprar minha casa.
Desejo viver com o homem da minha vida e meus três filhos, sem depender de ninguém, eu já venci as barreiras, quem segura na mão de Deus não cai, eu já venci.
Eu quero receber coisas novas, Senhor me renova, eu não sou sua filha única, mas eu já sofri muito e não quero mais sofrer, pois eu estou acabando de vencer".
Gostaria agora de perguntar: Será que o poema de Eronildes e a carta de Sônia não dizem nada aos responsáveis dessa barbárie? Será que eles conseguem dormir com a consciência tranquila? Lembrem-se que Deus é justo. A justiça humana pode falhar, mas a justiça de Deus nunca falha.
No dia 21 de fevereiro deste ano realizamos um Ato Público no Parque Oeste Industrial às 9,00h e um Culto Ecumênico no Colégio Municipal Renascer do Residencial Real Conquista às 19,30h. Nesses dois momentos fizemos a "memória" de tudo o que ocorreu no Parque Oeste Industrial, e essa memória - mesmo muito sofrida - levou-nos a nos unir mais, a renovar a nossa esperança e a fortalecer a nossa fé num mundo novo, onde todos/as sejam irmãos e irmãs.

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Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de abril de 2010

sábado, 30 de janeiro de 2010

"A verdade vos libertará" (Jo 8, 32)

Fiquei pasmo ao constatar a celeuma que o meu artigo sobre as crianças nas ruas de Goiânia provocou, sobretudo nos meios político-partidários. Ninguém acredita - parece - que ainda possam existir pessoas escrevendo artigos sem nenhum interesse pessoal, sem mentiras, sem ordem de ninguém, por puro amor à verdade e em solidariedade ao povo sofrido (sobretudo crianças e adolescentes) na defesa de seus direitos fundamentais.
Dom Fernando Gomes dos Santos, quando o acusavam de ser contra o governo, como verdadeiro pastor e profeta, dizia: "Eu sou a favor do povo. Se o governo estiver a favor do povo, estarei com ele, se for contra o povo, estarei contra ele". Como me considero discípulo de Dom Fernando - por ter sido amigo e colaborador dele - faço minhas as suas palavras.
É um absurdo, e de certa forma ridículo, dizer que eu escrevo artigos a mando do Marconi, por ser cabo de chicote dele (cf. DM, 16/01/10).  Inclusive, no meu artigo sobre as crianças nas ruas, citei como exemplo do "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385), no qual nós vivemos, a barbárie do Parque Oeste Industrial, que demonstrou a submissão total do Poder Público aos interesses econômicos do setor imobiliário, que foi a pior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, com requintes de crueldade inconcebíveis no século XXI, e que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos.
Se em nossa sociedade existisse um mínimo de justiça, os responsáveis por esse crime - que são o governador Marconi Perillo, o secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) e que até hoje estão impunes - deveriam ser processados, condenados e impedidos de se candidatar a qualquer cargo público.
Chega de politicagem! Vamos fazer uma política séria, com responsabilidade e a serviço de todos, a partir dos empobrecidos, marginalizados e excluídos.
As "Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2008-2010", falando de nossa realidade,  observam: "É inquestionável o enfraquecimento da política decorrente das mudanças culturais como a difusão do individualismo e, principalmente, do crescimento do poder dos grandes grupos econômicos, impondo suas decisões e substituindo as instâncias políticas, com riscos para a democracia. Certamente, houve desencanto e diminuição da confiança do povo nos políticos, nas instituições públicas e nos três poderes do Estado; em contrapartida, surgiram novos sinais de esperança e de empenho político, como muitas organizações alternativas, não governamentais. Também muitas pessoas, inclusive jovens, se reúnem em movimentos sociais, sem vinculação partidária, para defender, com energia, os direitos individuais e para expressar a esperança de um outro mundo possível" (DGAE, 33).
Na América Latina há atualmente - continua o Documento - "uma crescente consciência da sociedade em exigir políticas públicas nos campos da saúde, educação, segurança alimentar (eu acrescentaria, soberania alimentar), previdência social, acesso à terra e à moradia, criação de empregos e apoio a organizações solidárias" (DGAE, 34).
A melhoria da qualidade, dos governantes e de todos nós. É isso que sonhamos e queremos.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 30 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Nós não temos crianças nas ruas"

É inacreditável! O nosso Prefeito Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, O7/01/10, p. 12).
Realmente é assustador ouvir estas palavras de um homem que se diz tão experiente na prática política. Estes "programas sociais" são em geral de má qualidade, são muito mal organizados, a pedagogia dos educadores não é uma pedagogia que liberta, que leva as crianças a ter autoestima e a ser sujeitos de sua própria formação integral, e, por fim, estes  "programs sociais" não atingem as reais necessidades da maioria das nossas crianças e suas famílias. Trata-se de mero assistencialismo. Mas, mesmo admitindo que estes programas fossem de ótima qualidade, o que significam 7.500 crianças para a cidade de Goiânia?
Depois destas afirmações absurdas, o Prefeito disse: "Vamos lutar para que Goiânia seja destaque nacional nessas áreas imprescindíveis à pessoa humana" (DM, p. 12). O que importa, senhor Prefeito, não é "ser destaque nacional", mas trabalhar com amor, dedicação e de maneira desinteressada em benefício das crianças pobres e subnutridas dos nossos bairros da periferia, vítimas de uma sociedade estruturalmente injusta e de um  "sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida, 385).
Como exemplo deste "sistema econômico iníquo", basta lembrar a barbárie do Parque Oeste Industrial, que no dia 16 de fevereiro próximo completa 5 anos e os verdadeiros culpados pelo crime - que são o Governador, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário) - até hoje estão impunes.
Sempre segundo o "Diário da Manhã", antes de proferir as palavras citadas, o Prefeito tinha pedido a seus auxiliares: "Vamos lutar para que possamos, em quatro anos, deixar 40 anos de trabalho" (DM, p.12). Tomara, senhor Prefeito! Infelizmente - acredito eu - trata-se de atitude populista e de  mera demagogia político eleitoreira.
Voltando ao assunto das "crianças nas ruas", não quero agora trazer estatísticas. Se quiserem, os interessados podem procurar o Ministério Público Estadual, que fornecerá informações verídicas a esse respeito.
Para quem sabe enxergar a realidade, basta andar nos bairros da periferia de Goiânia e também no centro da cidade, para ver quantas crianças temos nas ruas, que andam perambulando, sem saber o que fazer. Depois das aulas, muitas vezes de péssima qualidade, como as crianças vão ocupar o seu tempo? Será que as crianças vão ficar sempre em casa (quando têm casa) bem comportadinhas, assistindo, talvez, programas de televisão, que não são certamente educativos? Ou será que vão para a rua, descarregando suas energias? Os pais das crianças, quando tem um emprego ou um subemprego, estão fora de casa trabalhando.
As crianças que encontramos não são - é verdade - todas crianças "em  situação de rua" (acostumadas a ficar dia e noite nas ruas). Muitas delas têm família, mas, às vezes, família incompleta, família desestruturada, família com diversos problemas, família que passa por momentos difíceis, família que luta com dificuldade pela sobrevivência, família que de fato não tem as mínimas condições para sustentar e educar seus filhos. É por causa desta situação social de exclusão e de injustiça que as crianças passam o maior parte de seu tempo nas ruas, vítimas fáceis do mundo da violência e das drogas. E, entrando no mundo da violência e  das drogas, são hipocritamente tratadas como caso de polícia. 
Precisamos urgentemente de políticas públicas para as crianças e suas famílias. Precisamos de educadores preparados e dedicados, que trabalhem com amor, que saibam caminhar com o  povo, construindo juntos a esperança de um "outro mundo possível".
Quem convive diariamente com o povo dos nossos bairros e das nossas comunidades da periferia, no meio de muitas dificuldades e de muito sofrimento, encontra também (falo por experiência própria) tanta  profundidade humana e tanta  sabedoria, que não se aprende na escola e na universidade. Basta ter o coração aberto, saber escutar e  se deixar educar pelo povo. A melhor escola e a melhor universidade é a experiência de vida de quem, com coragem sobre humana, com fé inabalável e com grande sabedoria enfrenta "sorrindo" situações limite. Basta que nos despojemos de nossa arrogância (como quem diz "eu sei o que é bom para o povo"), de nossa autossuficiência e de nossa postura de superioridade, para nos tornarmos "discípulos" do único mestre Jesus Cristo. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10). Assim fazendo, o nosso jeito de ser e de viver será bem diferente e falaremos como quem tem "autoridade". "As pessoas ficavam admiradas com o ensinamento de Jesus, porque ele falava com autoridade" (Lc 4, 32).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 11 de janeiro de 2010





A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos