terça-feira, 22 de junho de 2010

A criminalização da luta dos Trabalhadores em Educação de Goiânia


Fiquei profundamente indignado com as agressões da Guarda Municipal de Goiânia aos professores. Não dá para entender uma atitude como essa em pleno século XXI. Trata-se de uma atitude desrespeitosa, arrogante e ditatorial, que, mais uma vez, criminaliza os Movimentos Populares. Faço minha - e tenho certeza que todas as pessoas, que defendem os Direitos Humanos e a Ética, farão a mesma coisa - a Nota da Abrapo (Associação Brasileira dos Advogados do Povo) do dia 18 de junho/10, que tem como título "Abrapo repudia agressões da Guarda Municipal de Goiânia". É uma Nota que, de maneira clara e corajosa, se posiciona al lado dos professores. Eis, na íntegra, o texto da Nota:
"A Abrapo (Associação Brasileira dos Advogados do Povo), organização de advogados comprometidos com as lutas populares no Brasil e associada à Associação Internacional dos Advogados do Povo (IAPL), condena as agressões e prisões praticadas pela Guarda Municipal de Goiânia, Estado de Goiás, a mando do Prefeito Paulo Garcia (PT).
Conforme apontaram as testemunhas, neste sábado, 18 de junho, os professores da rede pública municipal, em greve desde o dia 20 de maio, compareceram a um comício do Prefeito Paulo Garcia (PT), no bairro Novo Horizonte, em manifestação pacífica, com a intenção de entregar panfletos e sensibilizar a população. Assim que chegaram ao local, os professores levaram cotoveladas e socos de agentes à paisana, a serviço da Prefeitura, para que fossem embora, e logo em seguida os guardas municipais, em número absolutamente superior ao de professores, os golpearam e derrubaram vários no chão, passando a desferir chutes e pisadas em suas cabeças, e agredir com ainda mais força as mulheres professoras que tentavam impedir as agressões.
Depois de agredir e arrastar os professores pela rua, 4 deles (incluindo uma professora que foi gravemente ofendida pelos guardas) foram brutalmente algemados e lançados em minúsculos porta-malas de carros Uno, com lesões em várias partes do corpo.
O Prefeito Paulo Garcia (PT) estava a cerca de 10 metros de distância e assistiu a todas as agressões sem tomar qualquer atitude, o que significa na prática que incentivou a atuação dos guardas municipais, que lhe são subordinados.
Outro fato gravíssimo foi a atuação criminosa do auxiliar do prefeito, André Macalé, diretor de fiscalização da Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA), que, além de incentivar as agressões dos guardas municipais, tomou e destruiu a câmera filmadora de um professor, fato amplamente testemunhado.
Após chegarem à delegacia, os professores “detidos” ainda ficaram cerca de uma hora com algemas brutalmente apertadas e braços torcidos, o que lhes aumentou as lesões, chegando a causar a perda de sensibilidade prolongada em partes de suas mãos. Os professores em greve se dirigiram massivamente à delegacia e protestaram a todo momento, o que dificultou que os professores “detidos” sofressem novas agressões e expôs a toda a população o absurdo praticado pelos guardas municipais a mando da Prefeitura.
A Abrapo está especialmente surpresa pelo fato de que tenha sido registrada queixa contra as próprias vítimas, o que expõe a natureza do velho Estado que, além de agredir e prender, trata as vítimas como agressores, criminalizando as lutas populares.
A Abrapo não medirá esforços para que os responsáveis pela agressão aos professores, em todos os níveis, sejam punidos, e exigirá a reparação dos danos sofridos.
A Abrapo sustenta a justeza das reivindicações do movimento grevista e exige seu cumprimento, destacando: cumprimento da data base; piso de R$1312,84 para professores com magistério; plano de carreira de administrativos e agentes educativos; reposição salarial para todas as categorias".
Parabéns aos advogados da Abrapo. É realmente animador ver que existem ainda muitos advogados que lutam, de maneira desinteressada e por amor à Justiça, em defesa dos Direitos Humanos e da Ética.
Com o apoio à Nota da Abrapo, quero manifestar o meu total repúdio à atitude bárbara da Guarda Municipal de Goiânia e a minha total solidariedade aos Trabalhadores em Educação.
Infelizmente, nestes dias aconteceram mais dois fatos que mostram a insensibilidade do Poder Legislativo e do Poder Judiciário em relação às justas reivindicações dos Trabalhadores em Educação: a aprovação do projeto de lei 200/10 (rejeitado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás - Sintego) e a decretação da ilegalidade da greve.
A Câmara Municipal e Goiânia, por 20 votos a 14, aprovou em segunda votação, na manhã do dia  1º deste mês, o projeto de lei 200/10, que institui o piso salarial de R$ 824,35 para professores com magistério (nível PE I), em início de carreira, com jornada de trabalho de 30 horas semanais. O projeto prevê também o reajuste de 5,02%, parcelado em duas vezes, para os funcionários administrativos e a mudança da data-base dos professores de maio para janeiro. Os vereadores aprovaram ainda a emenda proposta por Iram Saraiva (PMDB), que derruba o parágrafo 3º do artigo 13 da Lei 8.173/03, revogando uma conquista antiga dos Trabalhadores: a progressão salarial na carreira (Cf. www.sintego.org.br - 01/07/10).
No dia 30 de junho/10 a Justiça decretou a ilegalidade da greve, mas - como diz a Secretária-Geral do Sintego, Ana Valéria Lemes - "a ilegalidade da greve é uma questão de interpretação". Para nós - afirma a Secretária-Geral - "a ilegalidade é do Poder Executivo que não tem cumprido a lei" (www.portal730.com.br - 01/07/10).
Mesmo tendo sido decretada ilegal, a greve dos Trabalhadores em Educação continua. Suas reivindicações são justas. Esperamos que o Poder Executivo se sensibilize e volte a dialogar com os grevistas. A Educação em primeiro lugar! A Justiça sempre!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 22 de junho de 2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Em defesa dos Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Ensino de Goiânia


No "Manifesto em defesa da Educação pública de qualidade e valorização dos profissionais da Educação do Município de Goiânia" do SINTEGO, os Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Ensino de Goiânia, em greve, além da implantação do piso salarial, fazem as seguintes reivindicações:
"Reformulação dos Planos de Carreira dos Administrativos e dos Professores. Concurso Público para suprir o déficit de professores e funcionários administrativos nas unidades escolares municipais. Cumprimento da data-base em primeiro de maio e em parcela única. Ampliação do número de vagas para o curso de formação Profuncionário. Participação dos servidores no gerenciamento do Instituto de Assistência à Saúde e Social dos Servidores Municipais de Goiânia (IMAS) e no Instituto Previdência dos Servidores Municipais de Goiânia (IPSM). Planejamento Semanal. Extensão do difícil acesso a todos os trabalhadores da SME. Ampliação das licenças para aprimoramento profissional. Inclusão da disciplina Educação Física nos CMEIs. Garantir substituição para administrativos e professores. Garantir condições adequadas à Educação em Tempo Integral. Ampliação do percentual das liberações de Licença Prêmio. Garantir a segurança nas instituições educacionais. Paz na Educação. Respeitar a organização dos trabalhadores em seu local de trabalho. Implantar informática em todas as instituições educacionais. Implantar programa de saúde vocal a todos os professores do magistério. Implantar programa de vacinação, inclusive contra Influenza A H1N1, para todos os trabalhadores da Educação. Resposta à reformulação da Lei 174, que dispõe sobre o 13º salário. Garantir formação específica para os readaptados de função. Democratização do processo de elaboração das Diretrizes. Assegurar espanhol e artes para os ciclos II e III. Respeitar a legislação que estabelece o número de alunos por sala de aula. Não à meritocracia. Não à terceirização. Retorno do investimento de 30% na Educação" (www.sintego.org.br - 14/05/10).
            Os Trabalhadores em Educação (Professores e Funcionários administrativos) afirmam ainda: "Negar as reivindicações dos trabalhadores da Educação é negar aos estudantes, especialmente aos oriundos das classes populares, o direito à Educação de qualidade para o qual concorre o profissionalismo dos educadores; é inverter as prioridades das políticas públicas e as responsabilidades do Governo em promovê-las; é também caminhar na contramão do percurso civilizatório baseado no acesso igualitário aos bens materiais e culturais produzidos pela humanidade" (Ib.).
A respeito do piso salarial dos Professores, existe - do ponto de vista legal - uma polêmica. "A Lei federal 11.738/08 estipulou piso salarial em R$ 950. Este valor deve ser reajustado de acordo com o custo aluno, conforme prevê o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Mas a lei é contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Até que o mérito seja julgado, governantes não são obrigados a cumpri-la. Enquanto isso há dois entendimentos sobre o reajuste do piso salarial. A Prefeitura de Goiânia se baseia em parecer da Advocacia Geral da União (AGU) e oferece 11,07%, igual à média do custo aluno desde a criação da lei. Já o Sintego quer 19%, equivalente ao valor real do custo aluno no período. Dessa forma, o sindicato alega que o valor oferecido pela Prefeitura, de R$ 1024, não chega ao piso salarial da categoria, que seria de R$ 1312,85, caso o reajuste obedecesse a lei federal" (www.ohoje.com.br - 01/0610)
Mesmo, porém, que existam questões legais a serem resolvidas, podemos dizer que -  do ponto de vista ético - as reivindicações dos professores são justas, continuam justas mesmo que a greve seja decretada ilegal e, por isso, merecem o apoio de todos nós. O atendimento às reivindicações representa melhoria na qualidade de ensino, que é muito precário, e mais dignidade para o exercício do magistério.
Infelizmente, sai governo, entra governo, mas é sempre a mesma coisa. Como desculpa para não atender às reivindicações dos Trabalhadores em Educação, o Poder Público usa sempre o mesmo argumento. Diz que reconhece a defasagem nos salários dos professores e funcionários administrativos, mas afirma que esta defasagem é histórica e que não há como corrigir da noite para o dia. Se bem me lembro, fala-se isso há mais de quarenta anos.
Acho que está na ora de resolver todos os entraves legais e cumprir a Constituição Federal. Ela nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados “com absoluta prioridade” e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo “de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227).
E, justamente por isso, podem faltar verbas para realizar obras de infraestrutura, mas não podem faltar verbas para uma educação pública de qualidade, e para outras políticas públicas em defesa dos direitos das crianças e adolescentes.


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 11 de junho de 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Quem executou Walter e Jeferson?


Com a palavra o novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, que - por ter integrado a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-GO - espero seja sensível à causa dos Direitos Humanos e, sobretudo, à causa do primeiro de todos os Direitos Humanos, que é o Direito à vida.
A sociedade, senhor Secretário, exige o quanto antes uma resposta clara e objetiva à pergunta: quem executou os moradores de rua Walter e Jeferson?  Espero que o senhor faça uma investigação séria e honesta a respeito do caso e que os responsáveis desta covarde e criminosa execução - civis ou policiais - sejam processados, julgados e punidos.
            Relembremos o caso: Por volta das 3,30h do dia 20 de maio deste ano "o morador de rua Walter de Santana Alves Feitosa, de 32 anos, foi morto com dois tiros no tórax, quando dormia em um corredor de acesso a barracões de um imóvel na Avenida Goiás Norte, no Setor Norte Ferroviário, onde estava acostumado a dormir". Walter passava o dia na Praça do Trabalhador e era "usuário de drogas, com passagens na Polícia por pequenos furtos". Infelizmente, na nossa sociedade hipócrita, quem pratica grandes furtos (desvio de verbas públicas, superfaturamentos, etc.), normalmente não tem passagem na Polícia…
            "A mesma rotina (de Walter) era seguida pelo adolescente Jeferson Ferreira Barbosa, de 16 anos, executado com dois tiros (…), na Avenida Leste-Oeste, esquina com a Avenida República do Líbano, no Setor Marechal Rondon", pouco depois da 3,30h do mesmo dia.
Os dois assassinatos "ocorreram em locais próximos e as vítimas possuíam perfis parecidos, o que leva a Polícia Civil a acreditar que o executor foi o mesmo" (O Popular, Cidades, 21 de maio de 2010, p. 4).
Que maldosa covardia! Quanta violência por causa do envolvimento com o mundo das drogas e - o que é pior - quanta violência policial! A vida humana - parece - não tem nenhum valor. Em que sociedade nós estamos! Em pleno século XXI, a nossa sociedade é ainda uma sociedade estruturalmente injusta e assassina. Chega de tanta barbárie! Chega de tantas mortes! Vamos defender a vida. Não importa se a pessoa humana é culpada ou inocente.
Uma Agente de Pastoral, que - com sensibilidade humana e com muito respeito  - trabalha com os moradores de rua, conhecia há tempo Walter e Jeferson, e tinha com eles um diálogo fraterno. Um dia, prevendo sua própria morte, com um olhar sofrido e triste, Walter e Jeferson falaram para à Agente de Pastoral: "Tia, a senhora não vai nos ver mais, porque vamos morrer". Que drama! A Agente de Pastoral ficou em estado de choque e profundamente indignada com a notícia da bárbara execução dos dois moradores de rua, que se tornaram seus irmãos e amigos.
E por falar em violência policial, há poucos dias um jovem Pré-Noviço dos Frades Dominicanos (que mora, com outros oito jovens, na nossa Comunidade religiosa do Convento São Judas Tadeu, no Setor Coimbra), quando voltava do curso de espanhol e se encontrava no ponto de ônibus com outras pessoas, foi abordado pela Polícia Militar de maneira arrogante, desrespeitosa e humilhante. Com que direito a Polícia Militar faz isso? Será que não está na hora de mudar totalmente o tipo de formação que os policiais recebem?  Será que não precisamos acabar, de uma vez por todas, com esta mentalidade cultural retrógrada e nazista? Quantos casos de violência policial - muitas vezes com mortes - que todos nós conhecemos e que poderíamos contar!
Lembrem-se, os responsáveis de tanta violência e maldade, das palavras de Jesus: "Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram!" (Mt 25, 40). 


Lembrem-se, também, da parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Cf. Lc 16, 19-31). O pobre Lázaro - no nosso caso - se chama Walter, se chama Jeferson. Tenho certeza na fé que - apesar de tanta covardia e maldade - os nossos irmãos, os moradores de rua Walter e Jeferson, completaram sua Páscoa e, libertos de todo sofrimento, se encontram agora na plenitude do Reino de Deus, na plenitude da vida, na plenitude da felicidade. Deus é justo.
E nós, "o homem rico", somos também de alguma forma - direta ou indiretamente, por ação ou por omissão - responsáveis por tamanha barbárie. Só nos resta um caminho: a conversão e a mudança de vida. Nada, porém, nos levará a essa conversão e mudança de vida, se não formos capazes de abrir o coração para a Palavra de Deus, o que nos leva a voltar-nos para os pobres (Cf. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. Nota de rodapé). "A parábola (do homem rico e do pobre Lázaro) é exigência de profunda transformação social, para criar uma sociedade onde haja partilha de bens entre todos" (Ib.). É esta a nossa missão de cristãos(ãs), é a mesma missão de Jesus de Nazaré.   


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 27 de maio de 2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Arnaldo Jabor: um atirador enlouquecido


O Jornal O Popular do dia 20 de abril/10, o Jornal O Globo e outros Jornais de circulação nacional e regional publicaram a matéria "Só os anjos não têm sexo" do jornalista Arnaldo Jabor. Trata-se de um texto que deixa qualquer pessoa de bom senso profundamente indignada. As afirmações do jornalista são uma verdadeira enxurrada de besteiras e desrespeitam a dignidade de qualquer ser humano, seja ele santo ou pecador. São afirmações cínicas, levianas e superficiais que enxovalham tudo. Revelam uma personalidade psicologicamente desequilibrada e intelectualmente desonesta. Como um louco, Arnaldo Jabor atira em todas as direções, sem provar e/ou documentar nada. A autossuficiência e a arrogância do jornalista são tamanhas que suas afirmações se desqualificam por si mesmas. Graças a Deus, os leitores não são imbecis.
Em primeiro lugar, Arnaldo Jabor fala da pedofilia como se fosse um problema só da Igreja Católica. A pedofilia - todos nós sabemos - é um problema da humanidade e, como a Igreja Católica faz parte da humanidade, é também um problema da Igreja Católica.
Em segundo lugar, o jornalista fala da pedofilia na Igreja Católica como se fosse uma obsessão, como se fosse um clima ou um ar que se respira diariamente em todas as casas de padres e religiosos/as, envolvendo fatalmente a todos/as num ambiente lúgubre e demoníaco.           
Diz Arnaldo Jabor: "Pedofilia e homossexualismo pairam no ar de qualquer internato religioso". "No velho colégio de padres onde estudei, a entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia". "No colégio, tudo era sexo dissimulado". E ainda (pasmem!): "A própria escolha da vida religiosa já é uma negação alucinada da sexualidade - se a força  máxima da vida é esmagada, a Igreja vira uma máquina de perversões" (O Popular, Caderno Magazine, p. 3). Toda a matéria do Jornal é um elenco interminável de afirmações absurdas, que nem merecem ser tomadas em consideração.
A Igreja Católica é uma Instituição religiosa que tem como ideal compreender e viver a vida humana numa dimensão de fé cristã. "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 11). "O mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (Ib., 22).
A Igreja Católica, mesmo sendo uma Instituição religiosa, é uma Instituição humana, isto é, histórica, situada e datada, com as limitações, erros e acertos inerentes a cada situação e a cada tempo. Em outras palavras, é uma Instituição de seres humanos e todo ser humano é um "vir-a-ser", um ser em construção. Onde existe o ser humano, existem também crimes e pecados, seja pessoais, seja estruturais ou institucionais. Esta é a condição do ser humano no mundo. A Igreja não foge a isso.
Por exemplo, se é verdade que a Igreja, em seus colégios e internatos, usou no passado métodos de formação e pedagogias que hoje consideramos superadas, é verdade também que estes métodos de formação e pedagogias eram então comuns.
Hoje, com a valiosa contribuição de pessoas ligadas à Igreja Católica, como o grande filósofo da educação Paulo Freire e outros inúmeros cientistas, filósofos e teólogos, surgiram novos métodos de formação e novas pedagogias numa linha libertadora e humanizadora. As ciências humanas - como todas as ciências - evoluem sempre. 
Não quero aqui justificar erros e aberrações que a Igreja Católica ou pessoas da Igreja Católica cometeram ou cometem. A História da Igreja Católica - como toda a história humana - é um processo dialético, feito de contradições e ambiguidades, e é nestas contradições e ambiguidades que a Igreja Católica procura ser sempre mais fiel ao projeto de Jesus Cristo, que é um projeto radicalmente humano e que, à luz da fé, chamamos de Reino de Deus.
Quantos exemplos de radicalismo humano temos, hoje também, na Igreja Católica. Basta lembrar o testemunho de vida de Dom Oscar Romero, de Pe. Josimo, da irmã Dorothy, da madre Teresa de Calcutá, de Dom Helder Câmara e de tantos outros/as. E ainda: quantas pessoas que, depois de conversar e conviver com padres e religiosos/as, voltam para suas casas edificadas e dando testemunho do equilíbrio, da serenidade, da paz, da sensibilidade e da profundidade humana que encontraram nos padres e religiosos/as. Quantos padres e religiosos/as sentem-se realizados como seres humanos e transmitem sua realização numa vivência alegre e feliz. Será que isso não conta nada para Arnaldo Jabor?
Qualquer humanista, à luz do pensamento filosófico (racional) e/ou teológico, sabe que a sexualidade é uma dimensão e, ao mesmo tempo, um valor que marca a totalidade da vida e da existência humana. Todas as opções, atitudes e atos do ser humano são "sexuados"
A sexualidade (que não se reduz à genitalidade, mas a inclui) é constitutiva do ser humano, que existe como homem (vir) e mulher (mulier). Para o ser humano (homo), o significado "humano" de ser homem (macho, vir) e mulher (fêmea, mulier) está precisamente e essencialmente na relação entre pessoas; em outras palavras, está na reciprocidade do encontro entre seres humanos. Torna-se homem e mulher na reciprocidade, isto é, no face a face do homem e da mulher. Um ser humano é verdadeiramente homem (vir) - em sentido humano - diante da mulher (mulier), e a mulher é verdadeiramente mulher (mulier) - em sentido humano - diante do homem (vir). A sexualidade é o fato de o ser humano (homo) ser dois (vir e mulier) e se manifestar na reciprocidade (na relação, no encontro intersubjetivo). Ora, reciprocidade se dá unicamente onde se dá alteridade, ou seja, onde dois seres humanos existem plenamente. Quando o ser humano (homo) se torna relação (ser-para-um-outro), ele revela-se a si mesmo como homem (vir) ou mulher (mulier) no face a face. É, pois, neste face a face que se reconhece como ser humano (vir ou mulier) e é reconhecido como tal. Não é, portanto, a sexualidade que nos faz inventar o amor, mas é o amor que nos revela a natureza da sexualidade. Neste contexto do encontro interpessoal manifestam-se todas as possibilidades de linguagem e de reconhecimento do outro como outro, isto é, todas as possibilidades "humanas" das componentes do homem e da mulher, como as diferenças fisiológicas, o erotismo, as caracterizações psicológicas, as elaborações culturais, etc.
À sexualidade pertence a fecundidade. Ela é predisposta pela estrutura biológica e fisiológica do homem e da mulher, e se reveste de uma dimensão interpessoal na vivência do reconhecimento mútuo como homem e como mulher, e na instauração de um novo diálogo com um novo ser. A estrutura homem-mulher é, podemos dizer, a estrutura que mais profundamente manifesta (exprime), no ser humano, sua natureza interpessoal e é o caminho normal para realizá-la (Cf. Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica.  Elle Di Ci, Torino, 1981,  p. 88-89)
Portanto, ninguém renuncia à sexualidade humana ou ninguém "esmaga" a sexualidade humana (como afirma Arnaldo Jabor).. Quando o diácono, antes de sua ordenação presbiteral (de Padre), assume - livre e conscientemente - o compromisso do celibato ou quando o religioso/a faz o voto de castidade renuncia ao exercício da sexualidade em sua expressão genital, ao casamento (que a Igreja considera um sacramento, um caminho de santidade) e a uma família biológica por um amor maior ou, podemos dizer, por excesso de amor (não por falta de amor ), dedicando-se, de maneira radical e integral à causa do Reino de Deus. "Amem-se  uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos" (Jo 15, 12-13).
A vida de qualquer ser humano (homem  ou mulher) neste mundo é cheia de renúncias, mas toda renúncia só tem sentido se for por amor ou por excesso de amor. Só à luz da fé podemos compreender plenamente o sentido da opção de vida dos padres e dos religiosos/as. Todos, porém, que amamos a vida humana e lutamos por ela, podemos valorizar e, sobretudo, respeitar esta opção de vida. É isso que gostaríamos de pedir ao jornalista Arnaldo Jabor. "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundancia" (Jo 10,10).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 05 de maio de 2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A situação subumana dos presos em Goiás

"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)

            As quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos fundamentais estão sendo permanentemente violados.
            O Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio, sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de fevereiro/10, p. 2).
            Diante desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar, seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual, quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
             "O Estado - afirma o Promotor Haroldo Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            Pergunto: Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de fevereiro/10, p. 3).
            Na Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
            A Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            O Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto, que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da 4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os  presos que estavam no Presídio Semiaberto. O promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
            O mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano,  publicou mais uma reportagem sobre os presos doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema e para a sociedade, quando postos em liberdade".
            E continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem  com a falta de remédios. Reunidos numa ala da Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do sistema penitenciário? 
            Os presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus porta-vozes.
            Deus disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   

Goiânia, 26 de abril de 2010

domingo, 4 de abril de 2010

Carta aberta ao ministro Paulo Vannucchi

Senhor Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:
Como o senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás, que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e legais para processar e julgar ninguém.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes não fiquem impunes e não caiam no esquecimento. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   
Goiânia, 04 de abril de 2010


sexta-feira, 2 de abril de 2010

O caso do Parque Oeste Industrial: cinco anos de impunidade


"Nós somos fortes, somos guerreiros, somos povo lutador"
(Músico Marcos, Canção "Nossa História")

O músico Marcos, companheiro sem-teto da Ocupação "Sonho Real" foi um dos que foram espancados brutalmente pela Polícia Militar no dia 16 de fevereiro de 2005 durante a desocupação da área. A canção, intitulada "Nossa História" encheu muitas vezes os olhos de lágrimas de todos os companheiros/as que estavam unidos na luta pela moradia, pois expressava a sensação de força que o povo adquire quando se une por um objetivo comum. Infelizmente, a vitória não foi dessa vez, mas a esperança nunca morre.
No dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial na Região Sudoeste de Goiânia. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nessas Operações Militares - como já dissemos outras vezes - todos os Direitos Humanos fundamentais foram violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos/as e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável,  é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No Jornal O Popular do dia 30 de março deste ano saiu a notícia que o major Alessandri da Rocha Almeida vai a júri popular pela morte de Vagner da Silva Moreira, porque "duas testemunhas ouvidas em juízo garantiram ter visto o major atirando contra a vítima, que estava desarmada quando foi alvejado" (p.2). Esta notícia é sem dúvida um fato positivo, mas  o que nós queremos não é só isso.  Queremos que sejam investigadas e julgadas as Operações "Inquietação" e "Triunfo", como grave violação dos Direitos Humanos. O Estado de Goiás - que foi o responsável dessas Operações criminosas - não tem as mínimas condições legais e éticas de fazer isso.
Portanto - para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita - pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito no Ato Público de 2009, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Chegando ao final do meu Artigo, lembro parte do poema "Saudades de Pedro" da viúva Eronildes Nascimento:
"Pedro!/ Destruíram sua vida e a minha/ Destruíram nossa casa/ Destruíram nossa família/ Destruíram nossos sonhos/ Eu olho suas fotos, leio suas cartas e/ Vejo-te alegre e sonhador!/ Confiante na vida, a vida que ti foi tirada/ Meu amor nem tempo deram para nos despedirmos/ Eu jamais pensei que iria te perder/ Nada é mais difícil do que viver sem você/ Nossos pertences me trazem você/ Ainda sinto seu cheiro/ Todos os dias espero o seu regresso/ Sinto uma dor muito forte no peito/ Sinto saudades, lembro de você sempre alegre a sorrir/ Você era justo, guerreiro e lutador/ Era marido e um pai maravilhoso/ Tiraram-me você/ (…) Pedro Nascimento/ Para sempre ti amarei".
Lembro também a "Carta para Deus", escrita por Sônia Chaves dos Santos dias antes de seu falecimento (01/04/05), quando já estava internada. Sonia faleceu de falência múltipla dos órgãos, resultado de uma infecção generalizada contraída no banheiro do Ginásio do bairro Capuava, vítima do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Eis o texto:
"Quero que um anjo venha ler esta carta"
"Eu quero receber a minha vitória, ainda neste mês, eu quero o dinheiro para eu comprar minha casa.
Desejo viver com o homem da minha vida e meus três filhos, sem depender de ninguém, eu já venci as barreiras, quem segura na mão de Deus não cai, eu já venci.
Eu quero receber coisas novas, Senhor me renova, eu não sou sua filha única, mas eu já sofri muito e não quero mais sofrer, pois eu estou acabando de vencer".
Gostaria agora de perguntar: Será que o poema de Eronildes e a carta de Sônia não dizem nada aos responsáveis dessa barbárie? Será que eles conseguem dormir com a consciência tranquila? Lembrem-se que Deus é justo. A justiça humana pode falhar, mas a justiça de Deus nunca falha.
No dia 21 de fevereiro deste ano realizamos um Ato Público no Parque Oeste Industrial às 9,00h e um Culto Ecumênico no Colégio Municipal Renascer do Residencial Real Conquista às 19,30h. Nesses dois momentos fizemos a "memória" de tudo o que ocorreu no Parque Oeste Industrial, e essa memória - mesmo muito sofrida - levou-nos a nos unir mais, a renovar a nossa esperança e a fortalecer a nossa fé num mundo novo, onde todos/as sejam irmãos e irmãs.

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Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de abril de 2010
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos