terça-feira, 26 de maio de 2015

Educação pública ou irresponsabilidade pública?


   A greve dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública municipal de Goiânia (servidores docentes e administrativos), no dia 13 do mês corrente, completou 30 dias.  Diante dessa realidade, eu pergunto: trata-se de educação pública ou de irresponsabilidade pública? A resposta é: de irresponsabilidade pública.
Segundo o Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia (SIMSED), as negociações com a Prefeitura - depois de um mês de greve - permanecem sem alteração. O desrespeito do Poder Público Municipal para com os servidores docentes (professores) e administrativos é inaceitável. Por que será que o Poder Publico tem tanta dificuldade de dialogar, num plano de igualdade, com os trabalhadores e trabalhadoras? Os governos do PT - que parecia um partido diferente - não fogem à regra. Às vezes, são até piores que os outros. Que decepção!
            Unindo-me aos movimentos populares e sindicais que lutam pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, manifesto a minha total solidariedade e o meu irrestrito apoio aos trabalhadores e trabalhadoras da educação municipal de Goiânia, em greve desde o dia 14 de abril. Repudio, ainda, com veemência as agressões que os mesmos sofreram no Paço Municipal, no dia 23 de abril de 2015.
A greve da rede municipal de ensino de Goiânia tem como principal reivindicação o cumprimento das promessas feitas pelo Governo Municipal aos trabalhadores e trabalhadoras da educação nas greves de 2013 e 2014, que incluem o pagamento de data-base e do piso salarial retroativo a 2014, e a manutenção de direitos trabalhistas, que foram revogados pela Prefeitura de Goiânia. Reparem: os servidores, docentes e administrativos, não apresentam novas reivindicações (teriam direito de fazê-lo), mas - sabendo das dificuldades pelas quais a Prefeitura está passando - numa atitude de corresponsabilidade, só pedem que seja mantida a palavra dada. Nem isso o Poder Público faz.
Em vez de serem convidados pela Prefeitura para sentarem-se à mesa de negociação, os trabalhadores e trabalhadoras da educação do Município de Goiânia, no dia 23 de abril, foram surpreendidos por um cordão de isolamento da Guarda Municipal, que não permitia a passagem de ninguém. Em seguida, eles e elas foram agredidos por membros da Guarda Municipal de Goiânia, com o uso de spray de pimenta, socos, pontapés, cassetetes e armas de choque. As imagens da barbárie e da violência contra os trabalhadores e trabalhadoras da educação foram mostradas em rede nacional. Que vergonha para um Governo que se diz do Partido dos Trabalhadores (PT)!
No dia 24 de abril, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás reconheceu a legalidade e o direito de greve dos trabalhadores e trabalhadoras da educação municipal de Goiânia e determinou que o Governo Municipal receba o Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia (SIMSED), para a abertura do diálogo e a negociação de um acordo que leve ao fim da greve.
As reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras da educação do Município de Goiânia são justas. Elas têm por objetivo melhorar as condições de trabalho e implementar uma educação pública de qualidade.
Estendo, pois, a minha solidariedade e o meu apoio aos trabalhadores e trabalhadoras da educação do Município de Aparecida de Goiânia (região metropolitana da capital) e do Estado de Goiás, que entraram em greve no dia 4 e no dia 13 deste mês respectivamente, e de outros Estados e Municípios do Brasil, que também estão em greve.
No Município de Aparecida de Goiânia, os trabalhadores e trabalhadoras da educação reivindicam o pagamento do piso salarial nacional, que é de R$ 1.917, a concessão de licença-prêmio, o aumento do vale-alimentação e a progressão vertical, que permite o acesso de todos a cargos superiores, mediante avaliação de títulos.
No Estado de Goiás, a categoria reivindica: o pagamento do piso dos professores (com o reajuste de 2015) e do salário integral dentro do mês trabalhado (com o fim do parcelamento dos salários), o cumprimento da data-base dos administrativos, a equiparação do salário dos contratados temporários com o dos efetivos, a realização de concurso público para a contratação de professores e o fim do processo de terceirização da gestão das unidades de ensino da rede estadual.
São reivindicações que - como as do Município de Goiânia - têm por objetivo reverter a situação calamitosa em que se encontra a educação pública em Goiás (e no Brasil) e implementar um sistema de ensino público de qualidade.
A Constituição Federal afirma que os Estados e Municípios devem aplicar anualmente “vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Art. 212). Reparem: a Constituição Federal reza: “no mínimo”. Isso quer dizer que, se houver necessidade, o Estado pode e deve aplicar mais. 
            A Constituição Federal afirma ainda que o direito à educação, entre outros direitos, deve ser assegurado à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade” (Art. 227). Ora, se o direito à educação deve ser assegurado “com absoluta prioridade”, mesmo que faltem verbas para outras obras, nunca deveriam faltar para a educação.  Em caso contrário, não se trataria de “absoluta prioridade”. É uma questão de lógica.
            Enfim, a Constituição Federal afirma: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205).

Parabéns aos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública do Município de Goiânia, do Município de Aparecida de Goiânia, do Estado de Goiás e do Brasil, pela garra que sempre demonstram na defesa de seus direitos! Uma outra educação, ou seja, uma educação pública de qualidade é possível e necessária. Continuemos a lutar por ela!





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                              Goiânia, 20 de maio de 2015

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O PT vota contra os Trabalhadores

Na campanha para a sua reeleição, a presidenta Dilma Rousseff havia prometido que não mexeria nos direitos dos trabalhadores, “nem que a vaca tussa”. Confiando nessa promessa, feita com tanta firmeza pela então candidata, Centrais Sindicais, como a CUT e a CTB, promoveram diversos atos públicos para apoiar a Dilma.
No dia 30 de dezembro de 2014, dois meses depois de sua reeleição, a presidenta Dilma Rousseff, editou as Medidas Provisórias 664 e 665, que mudam os direitos dos trabalhadores e as regras para o acesso a benefícios previdenciários como o seguro-desemprego, o abono salarial e outros benefícios: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, salário-família.
O seguro-desemprego. “O que é: o benefício pago aos trabalhadores que perdem o emprego. Como era: o trabalhador tinha direito ao benefício se tivesse trabalhado por seis meses. O que o governo queria: que o trabalhador tivesse trabalhado 18 meses nos 24 meses anteriores à demissão para solicitar o seguro-desemprego pela primeira vez. Como fica com a alteração do Congresso: para pedir o benefício pela primeira vez o trabalhador precisa ter estado empregado por 12 meses consecutivos nos 18 meses anteriores à demissão. Na segunda vez, serão exigidos nove meses de trabalho nos 12 meses anteriores à demissão. Nas demais solicitações, serão necessários seis meses ininterruptos de trabalho antes da demissão”.
O abono salarial. “O que é: o benefício pago ao trabalhador com carteira assinada e remuneração mensal média de até dois salários mínimos. Como era: recebia o benefício de um salário mínimo, o trabalhador que tinha trabalhado ao menos 30 dias com carteira assinada no ano-base do benefício. O que o governo queria: que o trabalhador tivesse trabalhado 180 dias antes de receber o benefício e que o benefício passasse a ser proporcional ao tempo de trabalho, como o 13º salário. Como fica com a alteração do Congresso: o trabalhador precisa ter trabalhado ao menos 90 dias com carteira assinada no ano-base e o benefício será proporcional ao tempo de trabalho” (http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/o-que-muda-com-a-mp-665-8161.html).
            Na quarta-feira, dia 6 do mês corrente, a Câmara - em sessão tumultuada, que teve bate-boca entre deputados, panelaço no plenário e retirada de sindicalistas das galerias - aprovou a MP 665. A votação foi apertada: 252 votos a favor e 227 contra. Na quarta-feira, dia 13, a Câmara - também em sessão tumultuada - aprovou, por 277 votos a 178, a MP 664, a outra Medida do ajuste fiscal.
            Ver o PT votar em peso a favor da MP 665 e 664 - contra os trabalhadores - é chocante e repugnante. Dá nojo! Que outros partidos façam isso, não é novidade. Mas o PT - que pensávamos fosse um partido diferente - realmente nos surpreende.  Que vergonha! Que decepção! Que traição!
            Dos 64 deputados federais do PT, 54 votaram “sim” à MP 665 e 664, 9 não votaram (se ausentaram: espero que tenha sido por uma razão válida e não por covardia, como costuma acontecer nesses casos) e um votou “não” à MP 665 e 664. As Medidas seguem agora para votação no Senado.
            Vejam a lista completa dos parlamentares do PT (e também dos outros partidos) que votaram contra os trabalhadores e trabalhadoras, em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/veja-como-votou-cada-deputado-na-mp-665-3204.html e em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/mp-664-como-cada-deputado-votou-1708.html.
            Eleitores e eleitoras, gravem bem o nome deles e delas. Esses parlamentares - mesmo que se digam do PT - devem ser banidos para sempre da vida pública.
            Embora não o conheça pessoalmente, parabenizo o deputado federal do PT, Weliton Prado (MG), o único que teve a coragem - apesar de o partido ter oficializado o “fechamento da questão” - de praticar a “objeção de consciência”, votando “não” às Medidas Provisórias 665 e 664. Deputado, conte com o nosso apoio e a nossa solidariedade. É de parlamentares como o senhor que o Brasil precisa.
            Outra prática política repugnante e nojenta é a prática oportunista, corrupta, desumana e antiética do “toma lá dá cá” da grande maioria dos governantes e políticos, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
 “O governo e sua base aliada lançaram mão de fisiologismo explícito para aprovar a primeira das duas Medidas Provisórias (MPs) do ajuste fiscal. Enquanto o Palácio do Planalto fez negociação aberta de nomeações para o segundo e terceiro escalões, já tendo encaminhado 70 cargos para a Casa Civil, os parlamentares cobraram abertamente a fatura da votação, inclusive ameaçando derrotar o governo na próxima semana (na votação da MP 664, dia 13) caso o palácio não publique as nomeações no Diário Oficial. Uma longa lista de indicados políticos aguarda liberação do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que recebeu nesta quinta-feira, assim como outros articuladores do governo, como o vice-presidente Michel Temer e o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), diversos parlamentares para que fossem sacramentadas as nomeações. Entre os cargos almejados, estão aqueles que lidam com volume significativo de recursos ou que têm influência política local, como as agências de desenvolvimento regionais, as ligadas a Transportes e Saúde, além de diretorias em bancos e representações federais, como delegacias do Ministério da Agricultura” (http://oglobo.globo.com/brasil/partidos-da-base-do-governo-exigem-cargos-de-segundo-escalao-para-apoiar-outra-mp-do-ajuste-16093636).
Infelizmente, o “bem comum” ou o “bem-viver” de todos e de todas, principalmente dos mais pobres - que é o objetivo da política - passa muito longe das preocupações interesseiras e egocêntricas dos nossos governantes e parlamentares.
Por fim, a respeito do ajuste fiscal, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante - com a maior cara de pau - afirma que as limitações à concessão dos programas servem para “corrigir excessos e evitar distorções” (http://cers.jusbrasil.com.br/noticias/159965780/sintese-das-mudancas previdenciarias). É muita desfaçatez, senhor ministro, falar de “excessos” e “distorções” nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Eles são tão poucos e conquistados a duras penas em lutas que custaram, muitas vezes, a vida dos próprios trabalhadores.
Por que o governo não corrige “excessos” e evita “distorções” em relação aos ricos? Por que são os trabalhadores que devem pagar o preço do ajuste fiscal, mudando (ou reduzindo) direitos adquiridos? Por que o governo não mexe no dinheiro dos ricos, “nem que a vaca tussa”? Por que não cobra das grandes empresas que sonegam o fisco? Por que não taxa as grandes fortunas (incluindo as heranças)? Por que não cobra os lucros obtidos pelos bancos acima de um determinado teto preestabelecido? (Leia na internet o artigo: “Ajuste fiscal que reduz direitos dos trabalhadores? ‘Nem que a vaca tussa!’”). Por que o governo é tão submisso e subserviente aos interesses financeiros dos poderosos? Quem é que realmente governa no país? Políticos e governantes meditem sobre essas questões! Não sejam covardes e mesquinhos!
Um outro Brasil é possível! Trabalhadores e trabalhadoras, lutemos por ele!







Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                              Goiânia, 13 de maio de 2015

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Dom Celso: memória de um pastor irmão dos pobres


No dia 11 de maio (9 dias depois de Dom Tomás Balduino) faz um ano que outro irmão nosso muito querido, Dom Celso Pereira de Almeida “completou a sua Páscoa”, passando para “a vida além da morte” e mergulhando - para toda a eternidade - no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco.
À época, em maio de 2014, eu escrevia: “o nosso irmão Celso foi um homem autêntico, transparente, alegre, de extraordinária sensibilidade humana e radicalmente evangélico. Seu testemunho de humildade, simplicidade, proximidade e solidariedade para com os pobres renovou e fortaleceu a nossa esperança. Sua vida foi uma advertência aos poderosos e uma denúncia contra toda injustiça. Como profeta de Deus, Dom Celso tornou-se - quando necessário - defensor e advogado dos pobres, mesmo com risco de sua vida”. 
            Dizia também: “o nosso irmão Celso se relacionava com os pobres, não como objetos de assistência, ou mesmo de ação caritativa, mas como sujeitos e protagonistas de sua própria história. Ele frequentou a escola dos pobres, aprendeu e assimilou sua sabedoria, que é a sabedoria de Deus. Fez-se pobre com os pobres, como Jesus de Nazaré”.
            Destacava, ainda, outras qualidades do nosso irmão Dom Celso. “Ele era uma pessoa sempre bem humorada. Interessava-se por tudo aquilo que os irmãos e as irmãs faziam. Elogiava e valorizava o seu trabalho, animando a todos e a todas. Ele se identificou com os últimos, que são os preferidos de Deus. Nunca se colocou numa posição de superioridade, nunca quis ser mais importante que os outros, sempre foi um irmão de caminhada, andando na frente, do lado ou atrás do seu povo, conforme a necessidade”.
             E continuava afirmando: “o nosso irmão Celso não era um homem legalista, formal e preocupado com as exterioridades. Nos Encontros e nas Celebrações, ele sempre tinha um sincero e profundo respeito por tudo o que as Comunidades e seus Animadores preparavam. Quando tinha algo a sugerir, o fazia com amor e com carinho, sem humilhar ninguém. Ele encarnou e viveu a teologia da Igreja Povo de Deus e toda ministerial. Despojou-se de toda forma de autoritarismo clerical”.
            A vida de Dom Celso “foi, toda ela, um testemunho evangélico de amor aos pobres. No seu ministério de padre e de bispo, ele foi um pastor irmão, amigo e companheiro de caminhada dos pobres, dos excluídos e de todos aqueles que não têm voz nem vez, que são os descartados da sociedade iníqua na qual vivemos”.
O povo (sobretudo os pobres), que conheceu e conviveu com Dom Celso, tem uma verdadeira veneração por ele. Basta lembrar o clima de comoção que estava estampado no rosto de todos aqueles e aquelas que, com muito carinho e sincera gratidão, participaram das Celebrações de corpo presente em Goiânia e, de modo especial, em Porto Nacional (Leia na internet o artigo “Dom Celso, um pastor irmão dos pobres).
A Igreja, pela qual o nosso irmão Celso doou sua vida, é uma Igreja “em saída”, uma Igreja “com as portas abertas”, uma Igreja que sabe “olhar nos olhos e escutar”, uma Igreja que sabe “renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho”.
 “Prefiro - diz o papa Francisco - uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (A Alegria do Evangelho - EG, 46 e 49). O nosso irmão Dom Celso viveu tudo isso em profundidade.
            Fazer a memória de Dom Celso significa fazer a experiência de sua presença hoje. Dom Celso vive entre nós! Ele continua renovando e fortalecendo a nossa esperança e a nossa fé; o nosso compromisso com a Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; e o nosso sonho (o mesmo de Jesus de Nazaré) de lutar pela sociedade do “bem-viver”, que - à luz da fé - é o Reino de Deus acontecendo na história do ser humano e do mundo. Irmão Celso, roga por nós!

            Por fim, quero dizer com muita satisfação que, em nossa Comunidade religiosa, temos a alegria de morar e conviver com Frei Humberto, que é irmão de Dom Celso (alguns anos mais idoso que ele) e um homem de muita experiência e sabedoria de vida. Que Deus o conserve!






Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                              Goiânia, 06 de maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

Dom Tomás: sua memória, profecia e esperança continuam


           No dia 2 de maio faz um ano que o nosso irmão Dom Tomás Balduino ““completou a sua Páscoa”, passando para “a vida além da morte” e mergulhando para toda a eternidade no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco.  
Como escrevi à época (cf. na internet o artigo “Dom Tomás vive entre nós!”), as Celebrações de corpo presente, em Goiânia e na Cidade de Goiás, foram Celebrações de ação de graças pela vida do nosso irmão Tomás, profundamente encarnadas na realidade do povo, sobretudo dos trabalhadores do campo e dos indígenas.
            Nessas Celebrações, o grito que mais se ouvia era: Tomás vive entre nós! A mensagem da CNBB dizia: “Dom Tomás frequentou a escola dos indígenas, dos posseiros, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos agricultores, dos sem-terra e soube aprender com eles a gramática do Evangelho e da simplicidade. Como um verdadeiro discípulo, se fez missionário de Jesus Cristo e o testemunhou junto ao mundo dos pobres, como o Divino Mestre da justiça e da paz”.
            No final de 2012, por ocasião dos seus 90 anos de idade, num breve escrito, eu destacava quatro qualidades de Tomás: sua profunda sensibilidade humana; sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos; sua prática radicalmente profética; e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré. Essas qualidades marcaram a história de vida do nosso irmão.
            Tomás, sua memória (que para nós é presença), sua profecia e sua esperança continuam hoje na vida e na luta de tantos irmãos e irmãs nossos do campo e da cidade.
            Mesmo não tendo participado do Concílio Ecumênico Vaticano II, Tomás foi pioneiro na aplicação e na vivência de seus ensinamentos, que desencadearam, no mundo inteiro, um movimento de volta às fontes e de profunda renovação da Igreja.         
A Igreja, pela qual Tomás doou a sua vida, é a Igreja do Concílio e de Medellín (que encarna o Concílio na América Latina e Caribe, e é o documento fundante da Igreja latino-americana e caribenha enquanto tal): uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; uma Igreja pobre, que faz a Opção pelos Pobres (a “Igreja dos Pobres”); uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, uma Igreja que se alia aos Movimentos Populares, a outras Organizações Sociais (na vida d
e dom Tomás destacamos o Movimento Indígena e o Movimento dos Sem-Terra) e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo de justiça e paz, onde todos os Direitos Humanos são respeitados e valorizados.
É o mundo e a sociedade do “bem-viver”, ou - à luz da Fé - a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica (cf. na internet o artigo “Dom Tomás, um pastor-profeta do nosso tempo”). A vida de Dom Tomás foi realmente “uma vida a serviço da humanidade” e do mundo.
A voz do nosso irmão Tomás foi:
“uma voz que nunca quis ser sozinha,
sabia, desde os anos de chumbo:
uma voz solitária não suspende a manhã.
Quis ser uma voz entre vozes,
ergueu sua voz dentro do vasto coro dos oprimidos:
os índios, os posseiros, os lavradores,
os retirantes da seca e da cerca
e os que se levantam contra elas,
as mulheres, os negros, os migrantes, os peregrinos
para forçar claridades, para ensinar amanhecer”
(Pedro Tierra. Do poema “Dom Tomás Balduino”, 03/05/14).
Tomás - fortalecidos e fortalecidas pelo testemunho de vida que você nos deixou - suas causas (as causas dos pobres, dos indígenas, dos camponeses, dos sem-terra, dos quilombolas, dos ribeirinhos, da “mãe terra”) e seus sonhos, são também nossas causas e nossos sonhos.  

Irmão Tomás, roga por nós!





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 29 de abril de 2015

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Ajuste fiscal que reduz direitos dos trabalhadores? “Nem que a vaca tussa!”


Na noite do dia 31 de março, em São Paulo, aconteceu a Plenária dos Movimentos Sociais Populares - promovida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE) e outros Movimentos - com o objetivo de convocar duas grandes mobilizações de rua: uma que aconteceu no dia 7 deste mês de abril e outra que acontecerá no dia 1º de maio próximo, Dia do Trabalhador e Trabalhadora.
 Nessa Plenária, Gilmar Mauro, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), destacou que o Movimento defenderá o Governo Federal se houver ameaça de golpe, mas criticou a política econômica desenvolvida pelo Governo. Disse Gilmar: “não haverá golpes no país sem resistência de massa nas ruas. Não iremos para debaixo da cama, nem para a França. É esse o nosso país e aqui nós vamos estar. Os nossos Movimentos não formaram covardes”.
 O coordenador do MST afirmou ainda: “nós precisamos de ajustes, mas não ajustes que agridam os direitos conquistados com muito sacrifício e esforço pelo nosso povo. Precisamos de ajustes contra o capital financeiro, contra as grandes fortunas. Precisamos de ajustes com esses 500 anos de latifúndio e 400 anos de escravidão no país”.
Nessa mesma Plenária, o discurso do ex-presidente Lula foi, para os militantes dos Movimentos Populares. um banho de água fria, uma frustração total. O ex-presidente disse que - dentro do quadro da crise econômica mundial - a economia brasileira está passando por um momento bastante complicado e que, por isso, as pautas dos Movimentos Populares não serão atendidas. Mesmo assim - afirmou Lula – os Movimentos devem sustentar o Governo. Para o ex-presidente, as medidas do ajuste fiscal, que representam perdas para os trabalhadores e trabalhadoras (como as mudanças nos direitos trabalhistas em relação ao seguro desemprego, à desoneração da folha de pagamento e à pensão por viuvez), são necessárias. Não foi isso que a presidenta Dilma disse na campanha eleitoral. Ela declarou, alto e bom som, que não tocaria nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, “nem que a vaca tussa!”.
Sobre qual seria a contribuição do capital financeiro, dos especuladores, das grandes indústrias e redes do setor de serviços (ou seja, dos milionários) para enfrentar a crise, Lula não disse uma palavra. Pelo contrário, ele afirmou que o Governo quer melhorar a vida dos mais pobres sem mexer no patrimônio dos mais ricos. A própria bandeira da Reforma Política - que dizem ser prioridade do PT - não apareceu no discurso do ex-presidente.
Sobre a gestão da Presidenta, Lula disse:  “a Dilma é produto nosso. Ela tem compromisso conosco. Querem tirar ela, para tirar o povo do Governo” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-04/movimentos-populares-fazem-plenaria-em-sao-paulo-sobre-direitos-e-corrupcao).
Ex-presidente Lula, é evidente que os Movimentos Populares, em nome da democracia, defenderão o Governo contra qualquer ameaça de golpe. Dizer, porém, que o povo está no Governo, é piada de mau gosto. Só se o povo for representado por Joaquim Levy, Katia Abreu e companhia limitada!
Lula, que cara de pau você é! Suas palavras beiram o cinismo! Infelizmente, mais uma vez, você mostra que traiu os trabalhadores e que passou a defender os poderosos. Você deve estar achando que o povo é bobo e que para agradar os trabalhadores e trabalhadoras bastam “algumas balinhas”, chamadas “políticas compensatórias”. Ex-presidente Lula, que decepção! Quem te viu e quem te vê! Não dá para entender!
Sob o impacto do discurso do Lula, os dirigentes dos Sindicatos, Movimentos Populares e Organizações de Juventude - na seção mineira da Plenária dos Movimentos Sociais Populares - se reuniram no dia 1º de abril, em Belo Horizonte. Nessa reunião, João Pedro Stedile, líder do MST, disse de maneira incisiva: “não podemos ficar ao lado do ajuste fiscal. Nosso compromisso é com o povo, contra o Joaquim Levy (ministro da Fazenda)” (http://www.mst.org.br/2015/04/03/movimentos-pisam-no-acelerador-e-conclamam-lutas-sociais-para-cobrar-o-governo-e-encarar-a-direita.html). 
Contrariando a posição do Lula - no lugar do ajuste fiscal, que reduz os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras - sugerimos três ajustes que, por questão de justiça, são necessários e urgentes. Com esses ajustes, o Governo Federal arrecadará muito mais dinheiro que com o ajuste fiscal, resolvendo assim a crise econômica brasileira.
1º ajuste: cobrar das grandes empresas que sonegam o fisco.
Com essa cobrança, o Governo Federal obterá imediatamente todo valor que pretende ganhar com o ajuste fiscal e ainda ficará com o saldo de R$ 1 bilhão (veja a lista das empresas em: http://www.brasilpost.com.br/2015/03/28/operacao-zelotes-rbs_n_6962358.html). Esse 1º ajuste foi sugerido - como solução da crise - pelo Frei Betto no artigo “Entenda o ajuste fiscal” (http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=84674&langref=PT&cat=).
2º ajuste: taxar as grandes fortunas, incluindo as heranças.
“O Brasil tem 225 mil famílias com patrimônio pessoal superior a US$ 1 milhão, favorecidas por sistema tributário injusto”. Taxar as grandes fortunas é uma recomendação do economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século XXI”, que trata da concentração de renda em vários países, e do professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
“Este Governo - afirma o professor Paulo - lamentavelmente, está optando por um caminho muito neoliberal e não está colocando as medidas que sempre foram defendidas pelo PT e pela esquerda em geral, no Brasil e no mundo. Isso (imposto sobre fortunas) já aconteceu em outros países. Esse Governo está caminhando para uma política de agradar as camadas mais ricas e os donos do capital. O Brasil é o único país que está aumentando taxa de juros. Por que o Joaquim Levy virou ministro da Fazenda? Porque o Governo quer agradar o grande capital, que não quer mudanças como essa. A política econômica que está aí é muito ortodoxa, ultrapassada”.
Taxar as grandes fortunas (incluindo uma tributação sobre as heranças) daria uma arrecadação de R$ 80 bilhões, mais do que o Joaquim Levy pretende arrecadar com o ajuste fiscal (http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/03/reforma-tributaria-seria-muito-mais-logico-taxar-as-grandes-fortunas-diz-economista 8288.html).
3º ajuste: cobrar os lucros obtidos pelos bancos acima de um determinado teto (o teto máximo), previamente fixado.  
Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2014 - mesmo tendo sido um ano de crise - os cinco maiores bancos brasileiros tiveram lucros recordes (Itaú: R$ 20,6 bilhões; Bradesco: R$ 15,3 bilhões; Banco do Brasil: R$ 11,3 bilhões; Caixa: R$ 7,1 bilhões; Santander: R$ 5,8 bilhões). Só com prestação de serviços e cobrança de taxas, os cinco maiores bancos arrecadaram R$ 104,1 bilhões, 10,9% a mais que o ano anterior. O valor deu para bancar, com folga, todos os gastos com os 451 mil bancários, que em 2014 custaram R$ 74,6 bilhões, somados salários, encargos, cursos e treinamentos (http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/04/18/com-mais-taxas-e-demissoes-bancos-tem-ano-de-lucros-recordes-diz-dieese.htm#fotoNav=6).

Presidenta Dilma, são estes os ajustes que o Governo Federal deve fazer! Mostre que está do lado dos trabalhadores e trabalhadoras, defendendo seus direitos! Povo unido, organizado e mobilizado jamais será vencido!




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                             Goiânia, 22 de abril de 2015

domingo, 26 de abril de 2015

Maioridade penal



          O debate que atualmente se trava no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, a respeito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que reduz de 18 para 16 anos, a maioridade penal, é um sinal de atraso cultural e ético.

A pesquisa do Instituto CNT/MDA que, em 2013, indicou 92,7% dos brasileiros a favor da medida que reduz a maioridade penal, e a pesquisa do Instituto Datafolha que, no mesmo ano, indicou 93% dos paulistanos a favor da mesma medida, são dois dados reveladores desse atraso.

Para os/as que são comprometidos com a defesa e promoção dos direitos humanos, sobretudo dos adolescentes e jovens pobres, o debate sobre a redução da maioridade penal é simplesmente repugnante.

Mesmo que juristas de diferentes matizes ideológicos afirmem que a responsabilização a partir dos 18 anos é cláusula pétrea da Constituição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara - depois de algumas sessões de acirrados debates - aprovou no dia 31 de março a admissibilidade da PEC, que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil.

A deputada Erika Kokay (PT), às vésperas da votação da PEC, previa: “há uma forte aliança dos setores conservadores na Câmara. Há tempos tenho alertado sobre a força dos fundamentalistas da ‘Bancada BBB’: da Bíblia (acrescento eu: da falsa Bíblia), do Boi e da Bala. Agora, eles estão ainda mais unidos e articulados”. E Ivan Valente (PSOL) afirma: “com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa aliança consolidou-se. Até porque esses grupos ajudaram a elegê-lo” (cf. BBB no Congresso, Carta Capital, 8 de abril de 2015, p. 22 e 24). Infelizmente, a chamada Bancada da Bíblia (ou Bancada evangélica), nada tem de bíblico (ou evangélico).

A Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para discutir a maioridade penal e - dos 27 integrantes da Comissão - 20 defenderam publicamente, em diferentes ocasiões, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Essa Comissão terá cerca de três meses para concluir seus trabalhos. Em seguida, a PEC será votada no plenário da Câmara e, se aprovada, seguirá para o Senado. É muita hipocrisia!

Nestas alturas eu pergunto: será que os criminosos e delinquentes são os adolescentes e jovens ditos infratores ou, antes, os que farisaicamente querem reduzir a maioridade penal?

Apesar de inúmeras críticas que faço ao seu Governo, parabenizo a presidenta Dilma Rousseff por ter se manifestado publicamente contra a redução da maioridade penal.

“Nas últimas semanas - diz a presidenta - intensificou-se o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil, de 18 para 16 anos de idade. Isso seria um grande retrocesso para o nosso País. Há poucos dias, eu reiterei aqui a minha posição contrária a esse tipo de iniciativa. E mantenho minha palavra.

Reduzir a maioridade penal não vai resolver o problema da delinquência juvenil. Isso não significa dizer que eu seja favorável à impunidade. Menores que tenham cometido algum tipo de delito precisam se submeter a medidas socioeducativas, que nos casos mais graves já impõem privação da liberdade. Para isso, o País tem uma legislação avançada: o Estatuto da Criança e do Adolescente, que sempre pode ser aperfeiçoado.

Acredito que é chegada a hora de ampliarmos o debate para alterar a legislação. É preciso endurecer a lei, mas para punir com mais rigor os adultos que aliciam menores para o crime organizado.

Eu já orientei o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a dar início a uma ampla discussão com representantes das entidades e organizações da sociedade brasileira para aprimoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma grande oportunidade para ouvirmos em audiências públicas as vozes do nosso País durante a realização deste debate.

Mas, insisto, não podemos permitir a redução da maioridade penal. Lugar de meninos e meninas é na escola. Chega de impunidade para aqueles que aliciam crianças e adolescentes para o crime” (Texto publicado no Facebook, no dia 13 deste mês).

Se o Congresso Nacional estivesse realmente preocupado com os adolescentes e jovens, o foco do debate não seria a redução da maioridade penal, mas as políticas públicas, federais, estaduais e municipais, em favor desses adolescentes e jovens.

Na realidade não existem - sobretudo nas periferias pobres das grandes cidades - políticas públicas que levem os adolescentes e jovens a descobrirem o verdadeiro sentido da vida e a alegria de bem-viver. Em geral, a escola pública é de péssima qualidade. Fora da escola, os adolescentes e jovens não sabem como ocupar o tempo. Vem a tentação do dinheiro fácil e eles se envolvem com o mundo das drogas. Depois de envolvidos, na maioria das vezes, não conseguem mais sair desse mundo e são cruelmente assassinados.

Entre os muitos casos que poderia lembrar, cito somente dois. O jovem João (nome fictício) marcou a hora de se encontrar com Antônio (nome fictício) em frente a uma Igreja para pagar a dívida das drogas. Chegando ao lugar combinado, a pessoa que tinha sido contratada para assassiná-lo, rindo falou friamente na cara dele: “agora é tarde, me deram muito mais do que isso”, e atirou para matar.

O jovem Pedro (nome fictício) envolveu-se num pequeno roubo com um grupo de colegas. Depois de ser preso, ajoelhou-se aos pés do policial e suplicou: “não me mate, estou me entregando”. O policial falou friamente na cara dele: “as cadeias estão cheias, mas os cemitérios estão vazios”, e atirou para matar.

Na sociedade em que vivemos, a barbárie é institucionalizada, os pobres - sobretudo adolescentes e jovens - são literalmente “descartados”, jogados fora como “lixo” e, muitas vezes, assassinados.

É essa realidade que deveria ser assunto de debate no Congresso Nacional. Diante de situações tão cruéis que vitimam os nossos adolescentes e jovens, o debate sobre a redução da maioridade penal, permeado de argumentos hipócritas, me dá nojo.

Investir recursos nas políticas públicas, em favor dos adolescentes e jovens, deveria ser uma das principais prioridades do Poder Público, Federal, Estadual e Municipal. Nessas políticas públicas e nas medidas socioeducativas deve ser praticada a pedagogia libertadora, na qual os adolescentes e jovens são tratados como sujeitos e protagonistas de sua própria formação e de sua própria história.

A pedagogia libertadora do grande filósofo da educação Paulo Freire - mais valorizado no exterior que no Brasil - deveria ser um guia e, ao mesmo tempo, uma luz para as políticas públicas e as medidas socioeducativas, em favor dos adolescentes e jovens. Lutemos para que esse ideal se torne realidade. A juventude quer viver!



 
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 15 de abril de 2015
 
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos