quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Jônathas Silva esqueceu um "Detalhe": o despejo da Ocupação "Sonho Real"

 

No artigo “Não à politicagem” (O Popular, 03/02/21, p. 3) o professor Jônathas Silva fez um relato de sua atuação no cargo de Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, no período 2002/2006. Afirma: “Nunca fiz politicagem. Ao contrário, optei por fazer uma autêntica política de segurança pública, como previa o programa do governo, que foi legitimado no processo eleitoral pela maioria absoluta dos votos dos eleitores, que elegeram o governador (Marconi Perillo), no contexto de uma proposta social democrática”.

O artigo é uma auto-exaltação. O professor apresenta-se como um modelo a ser seguido. “Não fiz política com segurança pública, mas uma política de segurança pública”.

Infelizmente, Jônathas Silva esqueceu um “detalhe”: o despejo da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, que foi um verdadeiro massacre.  No dia 16 do mês corrente completam-se 16 anos desse lamentável acontecimento: a pior barbárie praticada em toda a história de Goiânia e uma das piores do Brasil. Cada ano fazemos a memória da data - lembrada também pelo Livro-Agenda Latino-americana Mundial - para que nunca mais se repita uma iniquidade humana como essa.

O despejo da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, foi uma operação militar de guerra do governo Marconi Perillo - comandada pelo então Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva - chamada, fria e cinicamente, “Operação triunfo”. Como se não bastasse, para que o requinte da brutalidade e da crueldade humana fosse ainda maior, ela foi precedida da “Operação inquietação”: 10 dias - de 0 a 6 horas - assustando os moradores e provocando traumas nas crianças com as chamadas bombas de efeito moral (que de “moral” não tem nada).

Em resumo, a história da “Operação Triunfo” consistiu no seguinte: em uma hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas (reparem: 14 mil pessoas) foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta, sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana e jogadas na rua. A Operação produziu duas vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior).

Essa história, professor Jônathas, o senhor não conta no seu artigo. Trata-se de um crime cruel, perverso e totalmente desumano cometido pelo senhor - então Secretário de Segurança Pública - e por Marconi Perillo - então governador do Estado de Goiás, com a conivência de Iris Rezende - então prefeito de Goiânia. Infelizmente, o crime - que clama por justiça - continua impune até hoje. Lembre-se, professor Jônathas, que a (In)Justiça humana falha, mas a Justiça de Deus nunca falha.

O governo estadual da época foi totalmente subserviente e submisso aos interesses especulativos dos “coronéis urbanos” (leia: donos das grandes imobiliárias). Só os adoradores do deus dinheiro - que consideram a propriedade privada um direito absoluto - são capazes de uma barbárie como essa.

No caso da Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, mesmo do ponto de vista meramente jurídico - sem precisar recorrer à questão da justiça e da ética - existiam todos os argumentos legais e constitucionais para a desapropriação da área. Inclusive, o governador Marconi Perillo - poucos dias antes do despejo - afirmou em entrevista coletiva que estava decidida a desapropriação. Lembro que o povo fez até festa.

Poucos dias depois, cedendo à pressão dos “coronéis urbanos” - que não queriam dar a vitória ao povo para não criar um precedente - o governador, covardemente e demostrando ser um homem sem palavra, voltou atrás e aconteceu o que todos nós sabemos.

Termino com as palavras do papa Francisco: “A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à voz de vocês: terra, teto e trabalho (os três “T”) para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, julho de 2015).

Que a voz dos Movimentos Populares e do nosso irmão o papa Francisco seja também a nossa voz! 










Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 16 de fevereiro de 2021




quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

CFE 2021: Unidade na diversidade

 

No dia 17 do mês corrente - quarta-feira de Cinzas - inicia a Quaresma, um tempo de preparação para a Páscoa. “Quaresma, na tradição cristã, é período de conversão e autorreflexão. São 40 dias dedicados à oração, ao jejum, à partilha do pão e à conversão pela revisão de nossas práticas e posturas diante da vida, do Planeta e das pessoas”.

É a prática da contrição, “resultado da graça de Deus, que nos permite o reconhecimento dos nossos pecados e o sincero arrependimento. Deus nos perdoa porque é amor misericordioso” (V Campanha da Fraternidade Ecumênica - CFE 2021. Texto-Base, p. 14)

Durante a Quaresma (embora continue depois o ano todo) realizamos a CFE 2021, promovida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), que tem como tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e como lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14a).

O objetivo geral da CFE 2021 é: “Convidar as Comunidades de fé e pessoas de boa vontade a pensarem, avaliarem e identificarem caminhos para superar as polarizações e violências através do diálogo amoroso, testemunhando a unidade na diversidade”.

Os objetivos específicos - para alcançar o objetivo geral - são: 

  • "Redescobrir a força e a beleza do diálogo como caminho de relações mais amorosas;
  • Denunciar as diferentes violências praticadas e legitimadas indevidamente em nome de Jesus";
  • Comprometer-nos com as causas que defendem a casa comum, denunciando a instrumentalização de fé de Jesus Cristo que legitima a exploração e a destruição socioambiental;
  • Contribuir para superar as desigualdades;
  • animar o engajamento em ações concretas de amor ao próximo;
  • Promover a conversão para a cultura do amor, como forma de superar a cultura do ódio;
  • Estimular o diálogo e a convivência fraterna como experiências humanas irrenunciáveis, em meio a crenças, ideologias e concepções, em um mundo cada vez mais plural;
  • compartilhar experiências concretas de diálogo e convívio fraterno" (Ib. p.11)
Falando de “unidade na diversidade”, nos referimos a todos aqueles/as que - embora diversos ou diferentes - estão comprometidos/as com o Projeto de Libertação e Vida (Projeto de um Mundo Novo), que à luz da fé, é o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo. Não nos referimos aos que estão comprometidos/as com o Projeto de Opressão e Morte, que é o Antirreino de Deus. Esses são nossos inimigos e a única maneira de amá-los é ser contra o seu Projeto de Opressão e Morte.

Jesus pede ao Pai pelos seus discípulos “para que todos sejam um” (Jo 17, 21), mas não pede para que todos sejam um com Herodes e Pilatos. Aos discípulos, porém, que estavam “enciumados” por encontrarem pessoas que realizavam as mesmas obras deles sem serem do grupo, Jesus - com muita naturalidade - diz: “Quem não está contra nós, está a nosso favor” (Mc 9, 40).   

Como de costume, a CFE 2021 vivencia o Método (caminho) “ver, julgar, agir” (“analisar, interpretar, libertar”) e “celebrar”. Ele "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão (ou seja, da razão iluminada pela fé) para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos/as missionários/as de Jesus Cristo" (Documento de Aparecida - DA 19).

A CFE 2021 convida as Comunidades de fé a viverem a espiritualidade quaresmal, realizando o caminho de Emaús em quatro paradas:


  • Primeira: VER - "conversar sobre os acontecimentos mais recentes (fazendo, sobretudo, uma análise contextualizada e crítica da pandemia da Covid - 19) que marcam nossa história e observar se as alternativas e saídas que identificamos são opções coerentes com a Boa Nova do Evangelho".
  • Segunda: JUGAR - "a partir da inspiração bíblica, lançar luzes sobre o contexto histórico vivido por nós".
  • Terceira: AGIR - "as partir de experiências de boas práticas realizadas pelo CONIC, indicar exemplos que podem contribuir para derrubar os muros das divisões".
  • Quarta: CELEBRAR - "afirmar que a diversidade presente na Criação não é negativa, mas é a revelação da imensa e irrestrita amorosidade de Deus para com a humanidade" (Ib. p. 16-17. Leia e medite o Texto-Base).
Termino com as palavras da Oração da CFE - 2021: “Deus da vida, da justiça e do amor, nós Te bendizemos pelo dom da fraternidade e por concederes a graça de vivermos a comunhão na diversidade” (Ib, p. 82).





 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 10 de fevereiro de 2021


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Ser Igreja ministerial

    

“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial” (Dom Aloísio Lorscheider).

 A passagem que o Concílio sonhou está acontecendo. A Igreja - sempre com avanços e recuos - já deu diversos passos nesse sentido, mas ainda tem um longo percurso a fazer para ser - no mundo de hoje - a Igreja que Jesus quis.

A proposta de vida de Jesus de Nazaré é revolucionária. É uma proposta de amor radical. A igualdade, a justiça (a partilha) e a fraternidade (a vida de irmãos e irmãs) são os pilares dessa proposta. Não podemos permitir que ela seja farisaicamente deturpada, amenizada e instrumentalizada para defender os interesses dos poderosos.

Do ponto de vista histórico, surpreende e impressiona ver com que facilidade a Igreja consegue se adaptar às exigências de sistemas sociais desumanos e anticristãos, convivendo com eles e dando seu apoio pela ação ou pela omissão.

Como exemplo, basta lembrar o caso da escravidão no Brasil do século 19. A Igreja aceita e legitima - na sociedade e em suas estruturas internas - a instituição da escravidão. “Acaba confiando praticamente a catequese do negro ao próprio senhor de escravos e este paradoxo marcará a posição da Igreja no Brasil perante o escravo. Sua pastoral vai se orientar mais para o senhor do que para o escravo” (CEHILA. História da Igreja no Brasil, tomo II/2, Vocês, Petrópolis, 1980, p. 264).

A Igreja prega a submissão como sendo a virtude do escravo e a benevolência, a virtude do senhor. Que aberração! É essa a “opção pelos pobres”? A Igreja trai - total e radicalmente - o Evangelho de Jesus de Nazaré. Sem dúvidas, trata-se de uma das faces mais perversas e hipócritas do pecado estrutural da Igreja: uma verdadeira “situação de pecado” eclesial e, sobretudo, eclesiástica.

“Na história, não faltaram exemplos de padres (os profetas da época) que se insurgiram contra a legitimidade mesma da escravidão, mas estes foram implacavelmente afastados pelo poder religioso e temporal” (Ib. p. 265).

 A Igreja na qual acreditamos - e que por ela lutamos - é a Igreja-comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus: Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres. Essa Igreja é - toda ela - servidora, ministerial.

Tradicionalmente, “na reflexão teológica e pastoral, têm-se distinguido (sem serem exclusivos) os seguintes grupos de ministérios: a) ministérios simplesmente ‘reconhecidos’ (às vezes, impropriamente, chamados ministérios ‘de fato’), quando ligados a um serviço significativo para a comunidade, mas considerado não tão permanente, podendo vir a desaparecer, quando variarem as circunstâncias; b) ministérios ‘confiados’, quando conferidos ao seu portador por algum gesto litúrgico simples ou alguma forma canônica; c) ministérios ‘instituídos’ (leitores, acólitos), quando a função é conferida pela Igreja através de um rito litúrgico chamado ‘instituição’; d) ministérios ‘ordenados’ (também chamados apostólicos ou pastorais), quando o carisma é, ao mesmo tempo, reconhecido e conferido ao seu portador através de um sacramento específico, o sacramento da Ordem (diáconos, presbíteros ou padres, bispos), que visa a constituir os ministros da unidade da Igreja na fé e na caridade, de modo que a Igreja se mantenha na tradição dos Apóstolos e, através deles, fiel a Jesus,  ao seu Evangelho e à sua missão. O ministério ordenado, numa eclesiologia de totalidade e numa Igreja toda ministerial, não detém o monopólio (reparem: não detém o monopólio!) da ministerialidade da Igreja. Não é, pode-se dizer, a ‘síntese dos ministérios’, mas o ‘ministério da síntese’” (CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, n. 87).

O ministério ordenado é o da coordenação (presidência) da Comunidade, na animação da vida fraterna (de irmãos e irmãs), no discernimento dos sinais dos tempos e no cumprimento de sua missão no mundo.

Para responder humana e cristãmente aos desafios da realidade, os ministérios poderão ser reformulados e - muitos deles - mudados, criando novos ministérios. Esperamos que, no chamado e no exercício de todos os ministérios, venham a ser reconhecidos - o quanto antes - direitos iguais aos homens e às mulheres, como aconteceu recentemente com os ministérios de leitores e acólitos.

Por fim, os ministérios - embora diferentes e de maior ou menor responsabilidade - têm o mesmo valor e a mesma importância. O que confere “qualidade” aos ministérios é o amor, a profundidade do amor. Meditemos o texto do Lava-pés: Jo 13,1-17.


Papa Francisco na Quinta-Feira Santa no cárcere “Regina Coeli” (2018)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 01 de janeiro de 2021

 

domingo, 31 de janeiro de 2021

Um Governo que mata por asfixia Fora Bolsonaro!

 

            

           

O caso de Manaus representa o mais alto grau da irresponsabilidade do Governo Bolsonaro: um Governo que deixa faltar oxigênio e mata as pessoas por asfixia, morrendo sufocadas. Não dá para acreditar que, em pleno século XXI, possa acontecer tamanha barbárie! Trata-se de uma perversidade e iniquidade diabólicas! Se o Governo Bolsonaro fosse minimamente sério, humano e ético - numa situação dramática como a de Manaus (que seria muito difícil acontecer) - imediatamente tudo passaria em segundo plano, a fim de garantir com urgência o oxigênio necessário para as pessoas puderem respirar e continuar vivendo.

Diante da tragédia de Manaus - anunciada - e das que ainda poderão acontecer em outras regiões do Brasil - também anunciadas - o Governo mostra-se totalmente insensível e não toma nenhuma providência. É um descaso total!

“A rede pública de Saúde de Goiás - por exemplo - não entrou em colapso na primeira onda da pandemia de coronavírus em 2020 por conta da grande abertura de novos leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria. No entanto - alerta a rede - essa quantidade alta de novas vagas para a internação de pacientes com Covid-19 pode não se repetir na segunda onda em 2021” (O Popular, 22/01/21, p. 14)

Mesmo sabendo dessa realidade tão desumana, o Judiciário e o Legislativo - Câmara Federal e Senado - tornam-se coniventes com a criminalidade do Executivo. O Judiciário, pela inércia: nem fede e nem cheira; o Legislativo, pela ação ou omissão publicamente declaradas. É deplorável!

Reparem: “Parlamentares não veem motivo para o impeachment” (O Popular, 23 e 24/01/21, p. 4 - manchete). Dos senadores e deputados “a grande maioria não concorda que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ou acredita que não seja o momento para a ação” (Ib.).

O deputado Francisco Junior (PSD), por exemplo - que se diz cristão católico - afirma que o impeachment neste momento “não colabora em nada para o País” (Ib.). Pergunto: o que é que colabora para o País? Será que é a covardia e a conivência com a imoralidade pública dos deputados federais? Que absurdo!

O Brasil tem mais de 215 mil mortes por Covid-19 (Goiás, mais de 7 mil). Isso não diz nada aos nossos parlamentares e aos nossos juízes?

Bolsonaro - só no que diz respeito à pandemia - cometeu, e continua cometendo; três grandes crimes:

  1. O crime de deboche. Desde o início da pandemia da Covid-19, Bolsonaro debochou - e continua debochando - com uma frieza incrível e um cinismo sádico - da gravidade da pandemia, contrariando o parecer dos cientistas e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
  2. O crime de falta de planejamento. Bolsonaro não fez - e continua não fazendo - nenhum planejamento sério, com a assessoria de cientistas, de combate à pandemia e de distribuição da vacina. Tudo foi feito - e continua sendo feito - na base do “toma-lá-dá-cá”.
  3.  O crime de responsabilidade. Bolsonaro é responsável por milhares de mortes - todas as mortes por asfixia (falta de oxigênio) e muitas outras - que poderiam ter sido evitadas com um planejamento de enfrentamento da pandemia que seguisse as orientações dos cientistas e da OMS. Ora, Bolsonaro fez - e continua fazendo - “corpo mole”, demostrando total indiferença e matando pessoas humanas por asfixia

O próprio reitor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Sylvio Puga Ferreira - diante da trágica situação de Manaus - enviou um ofício à Justiça Federal pedindo que a União seja obrigada - por decisão judicial - a fornecer com urgência o oxigênio.

Felizmente, no Brasil inteiro e até fora do Brasil - mesmo diante da surdez dos deputados e senadores e da inércia dos juízes - nas manifestações e carreatas do povo ecoa cada dia mais forte o grito: Fora Bolsonaro! Impeachment já! Vacinação já!

“Atrevo-me a dizer - declara o papa Francisco aos Movimentos Populares - que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Que as palavras do nosso irmão Francisco nos animem, renovem a nossa esperança e nos fortaleçam na luta! Unidos e organizados, já somos vencedores!

 



         


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 25 de janeiro de 2021

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Uma fala irresponsável!

 


Depois de refletir muito sobre o assunto, senti a necessidade de manifestar publicamente a minha indignação - profundamente doída - de cidadão e de cristão católico diante da fala do padre Elenildo Pereira (da Canção Nova, na homilia da Missa do último dia 1º) contra o uso da vacina para combater a pandemia da Covid-19. 


Diz o padre: "Tá vindo aí revestido de coisa boa, chamada de vacina contra o coronavírus. Vindo revestido de uma coisa belíssima: proteção, saúde, salvar vidas. Cuidado que é só a capa, só a capa". Depois, percebendo (talvez) que poderia ser criminalizado - para amenizar sua fala - acrescenta: "Não tô dizendo que sou contra a vacina, não sou, sendo bem claro. Desde que passe por todos os testes possíveis e imagináveis. Todas as fases necessárias. Uma comprovação científica. Aí eu tomarei. Enquanto não houver comprovação científica, padre Elenildo não tomará vacina".


Pede, pois, uma resposta sobre o uso do medicamento ao Governo Federal. “Ministério da Saúde, que já comprou essa vacina me responda. Como eu compro um produto, sem comprovação científica, sem passar por todas as fases científicas e depois eu corro atrás da legalização? Dê um jeito. Mande um e-mail ou ligue para mim. Como se coloca em risco a vida das pessoas?”.


A fala de padre Elenildo é de uma irresponsabilidade inacreditável e inaceitável. Objetivamente falando (a consciência das pessoas só Deus julga), o padre cometeu duas faltas gravíssimas:


  1. Do ponto de vista social, a fala é criminosa por contribuir - e muito - com o aumento diário do número de doentes e de mortes por causa da pandemia do coronavírus.
  2. Do ponto de vista eclesial, é uma fala contra a comunhão, por “confrontar direta e desrespeitosamente” toda a Igreja, Povo de Deus (não: “toda a hierarquia”, como foi dito). Cidadãos e cidadãs, irmãos e irmãs, estamos pleiteando - e o mais rápido possível - a vacina contra a Covid - 19 como um direito de todos e de todas, a partir dos mais vulneráveis.

“Eu acredito que eticamente todo mundo deveria tomar a vacina. É uma opção ética  porque você aposta na saúde, na sua vida, mas também na vida dos outros” (Papa Francisco, 09/01/21). O papa foi vacinado contra a Covid-19 no dia 13 desse mês.


“Agora cabe a nós garantir que a vacina esteja disponível para todos, especialmente os mais vulneráveis. É uma questão de justiça. Devemos mostrar, de uma vez por todas, que somos uma única família humana” (Cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, 04/01/21).


“Não podemos nos render à indiferença de alguns, negacionismos de outros ou à tentação de nos aglomerarmos, permitindo que nos contaminemos e nos tornemos instrumentos de contaminação, sofrimento e morte de outras pessoas. Não deixemos que o cansaço e a desinformação nos levem a atitudes irresponsáveis. Sejamos fortes! Permaneçamos firmes” e que "a vacina seja para todos" (CNBB. 1º de janeiro/21).


“Prezado Povo de Deus, essa (a do padre Renildo) não é a posição da igreja no Brasil, dada pela CNBB. Procurem ler o pronunciamento da igreja, com as devidas orientações. Essas posições pessoais dividem, é um desserviço. Paz e vacina autorizada pelas autoridades sanitárias para todos” (Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte - MG, e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB). 


Cristãos católicos e cristãs católicas sejamos uma Igreja em comunhão entre nós, em comunhão ecumênica com todos e todas que creem em Cristo e em comunhão macro ecumênica com todos os seres humanos e a Irmã Mãe Terra, nossa Casa Comum.


Meditemos! Unidos e unidas como família humana de irmãos e irmãs, exijamos nossos direitos! A vacina contra a Covid-19, pública e gratuita, é nosso direito!



Médico dando vacina a criança usando luvas Foto gratuita



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


Goiânia, 17 de janeiro de 2021


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Ser Igreja pobre


“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina” (Dom Aloísio Lorscheider).       

Igreja pobre: é Igreja para os pobres, com os pobres e dos pobres; é Igreja que está do e ao lado dos pobres, caminhando juntos em busca da libertação e da vida; é Igreja simples, misericordiosa e solidária - a simplicidade, a misericórdia (a compaixão) e a solidariedade (a partilha) são o amor acontecendo; é Igreja de irmãos e irmãs, em comunhão entre si, com a Irmã Mãe Terra - nossa Casa Comum - e com Deus; é Igreja sinal visível (sacramento) da presença de Jesus de Nazaré no mundo; é Igreja que vive a pobreza-virtude e combate a pobreza-falta de condições por uma vida digna para todos e todas, que é uma violência institucionalizada, um mal social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural e religioso): pecado estrutural, anti-Reino de Deus.

Todos e todas somos chamados e chamadas a fazer parte dessa Igreja pobre. “Para servir de apoio aos pobres, é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica” (Papa Francisco. Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres, 2020, 4).

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18). “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A Opção pelos Pobres não é “preferencial” (uma alternativa entre duas ou mais alternativas), mas exclusiva. É a Opção de Jesus de Nazaré, é o caminho que Ele fez e é o único caminho para quem quer segui-lo. 

Sobre a Igreja pobre, meditemos os textos do Pacto das Catacumbas (16 de novembro de 1965) e do Pacto das Catacumbas pela Casa Comum (20 de outubro de 1919), em: http://www.ihu.unisinos.br/.

Igreja despojada: é Igreja pobre que, em sua caminhada de renovação - com avanços e recuos - se despojou de muitas influências negativas da sociedade imperial, feudal e capitalista, mas que tem ainda uma longa estrada a percorrer para voltar a ser hoje Igreja realmente evangélica. Vejamos! A Igreja precisa se despojar e libertar: 

- do poder temporal (do Estado do Vaticano: Jesus de Nazaré nunca quis uma Igreja-Estado); do poder clerical hierárquico (por exemplo, das cátedras: Jesus e São Pedro nunca sentaram em cátedras, a não ser na “cátedra” da cruz); dos comportamentos diplomáticos (“diga apenas ‘sim’, quando é ‘sim’ e ‘não’, quando é ‘não’” - Mt 5,37); 

- da construção de Santuários, Catedrais e Igrejas suntuosas (um exemplo histórico: a Igreja de S. Francisco de Assis - logo S. Francisco! - em Salvador - BA, com todo o interior coberto em ouro; um exemplo atual: o mirabolante e absurdo projeto do segundo Santuário novo do Divino Pai Eterno - o primeiro terminou há poucos anos - com o maior sino do mundo, em Trindade - GO; observação: a respeito das denúncias do Ministério Público de Goiás sobre o caso, veja o meu artigo: “A exploração dos pobres em nome da fé”, em: http://freimarcos.blogspot.com/);

- dos títulos honoríficos (‘Monsenhor’, ‘Sua Excelência ou Eminência Reverendíssima’, ‘Sua Santidade’ e outros); do barrete e das vestes cardinalícias de cor vermelho-púrpura (a farisaicamente chamada “sagrada púrpura”, um verdadeiro aparato imperial; hoje, os “cardeais” são os trabalhadores e trabalhadoras que representam legitimamente os “mártires da caminhada” e que - com fita vermelha no pescoço e boné vermelho na cabeça - organizam romarias e/ou celebrações em sua memória); das mitras e dos brasões dos bispos (outro aparato imperial, que não tem nada a ver com o Evangelho); das celebrações triunfalistas e cheias de pompa; dos paramentos e objetos litúrgicos luxuosos (por exemplo, um ostensório de ouro transportado em procissão, com Jesus - presente na pessoa dos pobres e descartados - assistindo deitado na calçada ao lado).

Igreja peregrina (romeira): é Igreja pobre e despojada “em saída” permanente, fazendo acontecer o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo (retomaremos o assunto no último artigo da série: “Ser Igreja-missão”).

Um feliz tempo de Natal e um 2021 de muita luta e esperança. Lembremos: “O Natal de Jesus tem lado”  (veja em: http://www.ihu.unisinos.br/ ou http://freimarcos.blogspot.com/). 


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Reparem: dois irmãos em Cristo




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 23 de dezembro de 2020


 


O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2020/12/23/ser-igreja-pobre/ 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Ser Igreja-comunidade

 


“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus” (Dom Aloísio Lorscheider). 

Na Igreja sempre houve, há e haverá pessoas - cristãos e cristãs - que viveram, vivem e viverão a radicalidade evangélica, anunciando, testemunhando e fazendo acontecer o Reino de Deus na sociedade e no mundo. 

Como instituição ou sociedade perfeita, porém, a Igreja em sua história de mais de dois mil anos - ao contrário de Jesus de Nazaré que resistiu, superou e venceu as tentações do prestígio, do poder e da riqueza (cf. Mt 4,1-11) - deixou-se muitas vezes seduzir por essas tentações, que - além de desfigurar seu rosto - desacreditaram sua missão no mundo. 

Por iniciativa do Papa São João XXIII, o Concílio Vaticano II abriu as janelas da Igreja para que os ventos da renovação - que já estavam no ar - entrassem com toda força, sacudissem a Igreja e a libertassem de uma estrutura de poder hierárquico esclerosada, adquirida ao longo dos anos. 

O Concílio abriu novos caminhos para que a Igreja voltasse a ser - mesmo com suas limitações humanas - uma Igreja realmente evangélica. Os Padres Conciliares retornaram às origens da Igreja e às suas fontes bíblicas e patrísticas. A Constituição dogmática “A Igreja” (LG) e a Constituição pastoral “A Igreja no Mundo de Hoje” (GS) são documentos-chave para a compreensão do Concílio e da posterior caminhada de renovação da Igreja. 

Depois do Vaticano II, a Igreja passa a ser uma Comunidade de cristãos e cristãs espalhados e espalhadas por todo o mundo. Muitos de nós vivemos - e ainda estamos vivendo - essa passagem: uma verdadeira Páscoa, acontecendo sob a ação do Espírito.

Construímos uma nova igreja que - no Brasil e na América Latina - chamamos com o expressivo nome “Igreja da Caminhada” ou “Igreja das Comunidades de Base”, comprometida com a luta pelos Direitos Humanos, pelos Direitos da Irmã Mãe Terra (Nossa Casa Comum), pela Justiça e Paz e por uma sociedade de irmãos e irmãs: o Reino de Deus acontecendo na história do ser humano e do mundo.

Infelizmente, há mais de duas décadas, surgiram movimentos eclesiais - marcados por uma espiritualidade fundamentalista, individualista e conservadora -  que começaram um processo de retorno ao modelo de Igreja pré-conciliar, com o apoio e incentivo de padres e bispos (muitos dos quais nem viveram esse modelo).

Animados pelo testemunho profético do nosso irmão o Papa Francisco e pelos seus escritos ou pronunciamentos, não podemos permitir que esse retrocesso aconteça. Vamos nos unir, resistir e avançar. Muito já se fez, mas ainda tem muito a ser feito para que a Igreja seja realmente - e cada dia mais - a de Jesus de Nazaré. 

A imagem que - mundial-nacional-regional e localmente - representa a Igreja-comunidade é o círculo e não a pirâmide. Na Igreja-comunidade todos e todas - embora diferentes - são iguais em dignidade e valor, todos e todas são irmãos e irmãs em comunhão, filhos e filhas do mesmo Deus: a Santíssima Trindade (Pai-Mãe. Filho, Espírito Santo), Comunidade de Amor, a melhor Comunidade. 

"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os seres humanos (homens e mulheres)" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). Na Igreja “reina verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32). 

A Igreja-comunidade é Igreja encarnada e inserida no mundo - Igreja na Base e de Base, Igreja Popular - a serviço do Reino de Deus, que é um mundo novo, a sociedade do bem viver e bem conviver (como nos ensinam os nossos irmãos/ãs indígenas). "Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve (reparem: deve!) a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todos/as possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (A atividade missionária da Igreja - AG 10). 

É essa a Igreja de Jesus de Nazaré! É essa a Igreja que queremos ser! Lutemos por ela!

Círculo, Comunidade, Mãos, Exploração, Pessoas 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de novembro de 2020



O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2020/11/24/ser-igreja-comunidade/ 



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos