segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O Ser humano meta-histórico “além da morte” (2)

 


(Continua o mesmo tema do último artigo sobre o Ser Humano - parte 2)

Vimos que na existência histórica do Ser humano, o par psicológio angústia-esperança não pode ser separado e corresponde ao par ontológico: desamparo metafísico-plenitude subsistencial. A coexistência destes momentos na vida humana é orgânica e forma uma unidade substancial.

No Ser humano, "a angústia é o sentimento de nosso desamparo ontológico e a esperança é o pré-sentimento de nossa plenitude subsistencial. Há ocasiões em que é a angústia que tem voz cantora e mal-e-mal conseguimos então escutar, simultaneamente, as apagadas vozes da esperança. Outras vezes, apodera-se de nós um bem-estar inefável e ascensional que quase nos faz esquecer que no fundo de nosso ser ainda cisma - embora levemente - a angústia" (DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem. Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 95).

Todo Ser humano pode dizer: "meu afã de plenitude subsistencial existe somente em função de superar meu desamparo ontológico. E meu desamparo ontológico se faz tão-só patente porque tenho um afã de plenitude subsistencial. A plenitude alcançada é sempre relativa e está ameaçada pelo desamparo. Mas, por sua vez, o desamparo se vê corrigido, amparado em parte, pelo afã de plenitude subsistencial que se projeta com toda a sua intenção significativa. Este afã de plenitude subsistencial, mesmo que se dê no tempo, não está submetido ao tempo. Trata-se de um testemunho irrecusável da egrégia vocação humana, de uma humilde submissão do Ser humano integral à sua interioridade aberta para o ser e para a Deidade. Meu afã de plenitude subsistencial, com toda sua significação 'meta-histórica', participa na plenitude absoluta, primeira e transcendente”.

Em outras palavras, “meu afã de plenitude subsistencial, que se me apresenta coexistindo orgânica e dialeticamente com meu desamparo ontológico, com minha insuficiência radical, em forma parecida ao contraponto musical, implica a Plenitude Subsistente e Infinita da qual provém, precisamente, meu concreto afã de plenitude que se dá no tempo. Se existe nosso afã de plenitude subsistencial - o que é um fato evidente - então existiu desde sempre uma Plenitude Subsistente, porque se não tivesse existido, não se dariam todos os nossos concretos afãs de vida e de mais vida. 

Nessa situação humana concreta - e a partir dela - é compreensível que “o primeiro ato do meu afã subsistencial seja o de dirigir um chamamento à Plenitude Infinita que suscita todos os afãs de plenitude. Sem um fundamento em Deus, inicial e final, meu concreto afã de plenitude subsistencial não encontra solução. (...) A razão de ser última de nosso afã de plenitude subsistencial não se encontra numa idéia, mas sim unicamente num Ser Plenário, existente em si e por si" (Ib. p. 263-264. Ver também o pensamento de M. BLONDEL sobre a exigência de Infinito do Ser humano).

O caminho, pois, que parte do "real humano" tenta responder à pergunta: por que o Ser humano histórico "descobre existencialmente" o Absoluto? Chega-se à descoberta da dimensão meta-histórica do Ser humano “além da morte” e da existência do Absoluto pela intuição existencial. O Ser humano histórico, intelectualmente aberto e disposto a viver a vida em profundidade, descobre o Absoluto (Deus) nas coordenadas (na dinâmica, no redemoinho) da própria existência e no encontro interpessoal, pois o Absoluto - de uma forma ou de outra - está sempre presente na vida do Ser humano histórico.

É no encontro interpessoal que Deus se manifesta ao Ser humano histórico e ele adere - livre e concretamente - ao Absoluto. O "existir-perante-Deus" é a possibilidade última e suprema do "existir humano". O Absoluto confere ao "existir humano" a autenticidade definitiva, suscitanto no Ser humano histórico a paz, a alegria e a unidade interior.

As "situações existenciais", particularmente as "situações-limites" (como o fracasso, o sofrimento, o mal, a morte) e a exigência de moralidade (justiça) nos levam a Deus, fundamento do Ser nos seres existentes. Na adesão ao Absoluto - como resposta a um apelo do ser - o Ser humano histórico experimenta sua existência, simultaneamente, como liberdade e como dádiva (dom) de Deus. Quanto mais o Ser humano histórico é livre, tanto mais ele é seguro que não existe (não é) por si mesmo, mas que existe (é) pelo Absoluto e que o Absoluto existe (é) por si mesmo (Ver, a respeito da descoberta existencial de Deus, o pensamento de S. KIERKEGAARD, de K. JASPERS e de G. MARCEL. Cf. também HERRERO, X. O problema de Deus, em "Síntese Nova Fase" 11 (1977) 29-43). 

(No próximo artigo sobre o Ser Humano, continua o mesmo tema: parte 3)

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 16 de julho de 2025

                                                                                                      




O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-2/ (19/08/25)

 

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