Pasmem!
“Em 10 meses, TJ gasta meio milhão em lanches” (O Popular, 15/11/11, Manchete,
1ª página). Deire Assis, na coluna “Direito & Justiça”, afirma: “A relação
dos pagamentos realizados pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) entre 1º de
janeiro e 1º de novembro de 2011, conforme relatório da Diretoria Financeira e
Divisão de Execução Orçamentária e Financeira do órgão disponível no Portal da Transparência
no site da instituição na internet mostram que o Judiciário gastou no período
mais de meio milhão com o custeio de despesas com lanches: R$ 519,9 mil”.
A colunista continua dizendo: “Seis
empresas constam como fornecedoras de despesas classificadas como ‘serviços de
buffet’ e ‘fornecimento de lanches’. A maior despesa desta natureza (R$ 165,3
mil) ocorreu em fevereiro com fornecimento de lanches a magistrados e ao
movimento de conciliação” (Ib. p, 8).
Que afronta aos trabalhadores/as,
que ganham o salário mínimo! Que desrespeito acintoso para com todos aqueles/as
que - por causa da iniquidade de nossa sociedade hipócrita - sobrevivem dos
restos de comida dos lixões!
Por que tanta mordomia e tanto
desperdício do dinheiro público? Que Tribunal de Justiça é esse? Quem vai
investigar se o valor dos lanches foi ou não superfaturado e se alguém se
aproveitou ou não do dinheiro público para seus interesses pessoais? Quem vai
devolver aos cofres públicos o dinheiro gasto indevidamente? O TJ-GO deve - se
é que tem - uma explicação à sociedade.
Seria oportuno e certamente muito
saudável que o TJ-GO, antes de usar irresponsável e inescrupulosamente o
dinheiro público - que é dinheiro do povo - com suntuosos e requintados lanches
ou com superfaturamento dos mesmos, lembrasse a situação de miséria em que
vivem muitos de nossos irmãos e irmãs no mundo e no Brasil.
No mundo, “cerca de 100 milhões de pessoas estão sem teto; 1 bilhão
de analfabetos; 1,1 bilhão de pessoas vivem na pobreza, destas, 630 milhões são
extremamente pobres, com renda per capta anual bem menor que 275 dólares; 1,5
bilhão de pessoas sem água potável; 1 bilhão de pessoas passando fome; 150
milhões de crianças subnutridas com menos de 5 anos (uma para cada três no
mundo); 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano antes dos seus 5 anos de
vida” (www.webciencia.com - acessado em
05/11/11).
No Brasil - que é o
quinto país do mundo em extensão territorial, ocupando metade da área do
continente sul-americano - nós temos “uma questão estrutural ao
longo de séculos: sempre se produziu uma desigualdade econômica e social muito
grande, e que continua. Vem diminuindo pouco. Márcio Pochmann, presidente do
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que 10% ainda
concentram um percentual de 70% da riqueza nacional, sendo que os 90% mais
pobres têm acesso a apenas 25% a 30% da renda nacional. Na opinião dele, se a
gente considerar as famílias donas de conglomerados econômicos, cinco mil famílias
detêm mais ou menos 45% da renda brasileira, o que é uma concentração absurda. Em
2003, nós estávamos entre os quatro ou cinco piores países do mundo em
distribuição de renda. Hoje estamos entre os 15, 20 países com a pior
distribuição de renda do mundo. (...) No início dos anos 2000 tínhamos no
Brasil em torno de 50 milhões de pessoas que, ou passavam fome diariamente, ou
não tinham alimento suficiente regularmente. Hoje, diminuiu mais ou menos pela
metade, mas temos ainda em torno de 16 milhões de pessoas que estão na extrema
pobreza (...)” (Selvino Heck. A fome é uma criação humana. Entrevista,
julho/11. Em www.pucrs.br).
Os programas sociais - chamados programas de
distribuição de renda - do Poder Público, sobretudo do Governo Federal,
melhoram (pelo menos enquanto existem) a situação de miséria e fome do povo,
amenizando seu sofrimento, mas não resolvem o problema na raiz. As causas da
fome e da desigualdade socioeconômica são de caráter estrutural e são a
consequência de um sistema econômico perverso, desumano e antiético.
De fato, a fome no Brasil continua gritante. Trata-se
de “uma tragédia a conta-gotas, dispersa, silenciosa, escondida nos rincões e
nas periferias. Tão escondida que o Brasil que come não enxerga o Brasil
faminto e aí a fome vira só número, estatística, como se o número não trouxesse
junto com ele, dramas, histórias, nomes. Na inversão do ciclo da vida, proeza é
criança viva, bebê recém enterrado, acontecimento banal. No Brasil, a cada cinco minutos, morre uma
criança. A maioria de doenças da fome. Cerca de 280 a 290 por dia. É o
que corresponderia, de acordo com o Unicef, a dois Boeings 737 de crianças
mortas por dia”.
Segundo o médico Flávio Valente - voluntário
em campanhas contra a desnutrição e a fome - “existem, pelo menos, 36 milhões de brasileiros que nunca sabem
quando terão a próxima refeição”. Sempre segundo o médico, há hoje na sociedade um
comportamento que é comum e do qual todos nós somos responsáveis: “a aceitação (...)
de que crianças ainda morram de fome no nosso país e
que isso seja considerado natural” (Jussara Faustino. Fome no Brasil. Em: www.coladaweb.com.br – 25/11/11).
Enfim, “do ponto de vista estrutural, a fome é
resultado do tipo de sociedade que temos: uma sociedade capitalista que
concentra renda, exclui as pessoas, não permite que haja igualdade e uma melhor
distribuição de renda. Então a razão estrutural é esta: uma sociedade que visa
ao lucro, e o lucro acontece junto com o acúmulo de riqueza e de renda. Além
disso, nós vivemos 20, 30 anos de neoliberalismo. O neoliberalismo significa:
‘Quem pode mais, chora menos’. Mas não se trata apenas da política econômica e
social, é também uma política cultural, de valores, que influencia na maneira
como as pessoas agem em relação umas às outras. Precisamos fazer um trabalho longo
de reconstrução de valores de solidariedade” (Selvino Heck. A fome
é uma criação humana. Ib.).
Terminando, quero dizer: Se o TJ-GO meditasse sobre
essa realidade iníqua, perversa e desumana, os lanches seriam certamente mais
frugais e - quem sabe - não haveria superfaturamento ou desvio de dinheiro
público.
Uma outra sociedade é possível! Lutemos para que
ela aconteça.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia,
08/12/11, p. 2
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG
(aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em
Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e
Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato
Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da
Paróquia Nossa Senhora da Terra
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