Neste
artigo - dando continuidade ao anterior - quero refletir sobre o segundo
elemento ou traço característico da Eclesiologia (visão de Igreja) das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs): o lugar das CEBs na estrutura eclesial.
Retomo os ensinamentos de Medellín,
que aplicam para a América Latina e o Caribe os ensinamentos do Concílio Vaticano
II. Medellín é o acontecimento fundante da Igreja Latino-Americana e Caribenha,
enquanto tal. O ponto de partida de toda a reflexão teológico-pastoral sobre as
CEBs encontra-se em Medellín. Não aceitar os ensinamentos de Medellín,
significa - para a Igreja da América Latina e do Caribe - não aceitar os
ensinamentos do Concílio Vaticano II.
Vejamos! As CEBs - que Medellín chama
de “Comunidades Cristãs de Base”, ou, simplesmente, “Comunidades de Base” - não
são (como se quer fazer acreditar hoje) um Movimento entre muitos outros, uma
forma de vida comunitária entre muitas outras, mas são a Igreja na base e, ao
mesmo tempo, a base da Igreja.
A CEB
(Comunidade de Fé, Esperança e Caridade) “é o primeiro e fundamental núcleo
eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e
expansão da fé, como também do culto, que é sua expressão. Ela é, pois, célula inicial
da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial
da promoção humana e do desenvolvimento”.
A CEB
é uma “Comunidade local ou ambiental, que corresponde à realidade de um grupo
homogêneo e que tenha uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre
seus membros” (Medellín, XV, 10).
Destaco
- no texto citado - a definição de CEB, que é de uma objetividade e clareza
inquestionáveis. A CEB é “o primeiro e
fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial”. Não
tem como inventar artifícios e dar muitas voltas para tentar amenizar, deturpar
ou escamotear o ensinamento de Medellín. Só não entende quem não quer entender.
Reparem!
Medellín não tem medo de usar a palavra “base”, como não tem medo de usar a
palavra “popular”, quando fala de Pastoral (cf. Medellín, VI). Infelizmente,
hoje, na Igreja, muitos cristãos e cristãs evitam propositalmente usar essas
palavras, porque dizem que têm uma conotação ideológica. Que hipocrisia!
Inspiradas
no ensinamento de Medellín e querendo colocá-lo em prática, muitas Igrejas
Particulares ou Dioceses (como a Arquidiocese de Goiânia), por muitos anos,
sempre destacaram, em seus Planos de Pastoral, as CEBs como a prioridade das
prioridades.
Sabendo
que, na América Latina e no Caribe, as Paróquias são em geral territorialmente
muito extensas e muito populosas (só uma Paróquia pequena - como acontece, por
razões históricas, em alguns casos - poderia ser considerada uma CEB), Medellín
redefine o conceito de Paróquia, que passa a ser “um conjunto pastoral
unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). É verdade que, em sentido amplo,
a Paróquia pode ser chamada de Comunidade, mas a verdadeira vivência
comunitária acontece nas CEBs. Portanto, parafraseando o ensinamento de
Medellín e sem receio de trair o seu conteúdo, podemos dizer que a Paróquia
deve ser, hoje, uma Comunidade (em sentido amplo) de Comunidades de Base
(repito: de Base!).
Na Eclesiologia
das CEBs, todos e todas são iguais, todos e todas - na diversidade dos
ministérios (serviços) e na diversidade dos carismas (dons do Espírito Santo) -
são irmãos e irmãs e ninguém é mais importante do que o outro ou a outra. Todos
e todas - pessoalmente, em grupos ou movimentos e nas diferentes pastorais - são
respeitados e valorizados. Nessa
Eclesiologia não há lugar para uma Igreja poderosa, triunfalista, clerical e
toda ornamentada de ouro. Não há lugar para uma Igreja de palácios ou mansões
episcopais.
O poder de Jesus e dos seus seguidores
e seguidoras é serviço e brota da manjedoura de Belém. As CEBs são uma Igreja
“pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”. Elas são uma Igreja aberta
a todos e todas, que querem fazer hoje o caminho de Jesus.
A
atualidade das CEBs foi reafirmada também - embora com ênfases diferentes -
pelos documentos de Puebla, Santo Domingo e Aparecida, além de diversos
documentos da Igreja Universal e da Igreja no Brasil, como a “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”, da 48ª
Assembleia Geral da CNBB (de 4 a 13 de maio de 2010).
Nestes documentos fala-se que as CEBs são um sinal da
vitalidade da Igreja e um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja. É
verdade, mas não podemos esquecer - como bem define Medellín - o lugar central que
as CEBs ocupam na estrutura eclesial.
O documento da CNBB “Comunidade de Comunidades: uma Nova
Paróquia”, da 52ª Assembleia Geral da CNBB (de 30 de abril a 9 de maio de 2014)
- que, apesar de muitas limitações, traz reflexões interessantes - reafirma o
valor e a atualidade das CEBs, mas fala delas somente em três pequenos parágrafos,
que, na realidade - mesmo que não existissem - não fariam falta na estrutura
geral do documento. Tem-se a impressão - pelo pouco espaço dado às CEBs e pela
posição secundária que ocupam no documento - que elas são lembradas somente poque
existem pessoas que ainda teimam em falar de CEBs.
A única referência a Medellín encontra-se na nota de rodapé
125, onde se diz: “cf. também Medellín XV”. O documento não aceitou e não
valorizou, ou não quis aceitar e não quis valorizar a Eclesiologia das CEBs de
Medellín. Nessa Eclesiologia as CEBs ocupam um lugar central. Dada a
importância de Medellín, é realmente muito pouco - para não dizer,
insignificante e até ridículo - um simples “cf. também Medellín XV”.
Quando fala da renovação paroquial na América Latina e no
Caribe, o documento afirma que “Medellín sugeriu a formação de Comunidades Eclesiais
nas Paróquias” (131). A bem da verdade, não é exatamente isso que Medellín
afirma. A referência ao documento distorce e enfraquece o ensinamento de Medellín
sobre a nova Paróquia. Como já dissemos acima e o reafirmamos agora, em
Medellín a nova Paróquia é “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de
Base”. Reparem! “de Base”! É bem diferente! Um documento, para ter autoridade
moral, precisa, antes de tudo, ser fiel nas referências e citações de outros
documentos. É uma questão de honestidade intelectual!
Enfim, tenho certeza que as CEBs - como a Teologia da
Libertação - não morreram e nem estão superadas. Elas estão vivas e mais vivas
do que nunca, mesmo que haja na Igreja, hoje, uma oposição orquestrada, silenciosa
e, às vezes, irônica de muitas pessoas.
Graças a Deus, o nosso irmão, o papa Francisco, com seu
testemunho e sua palavra, está nos ajudando a reverter essa situação.
Como foi dito no 1º Intereclesial (de
6 a 8 de janeiro de 1975), as CEBs são “uma Igreja que nasce do Povo pelo
Espírito de Deus”. E, se nascem do Povo pelo Espírito de Deus, não morrem
nunca.
No próximo artigo, refletirei sobre o
terceiro elemento ou traço característico da Eclesiologia das CEBs: a inserção
das CEBs no mundo.
Domingo passado, dia 14, tivemos a 4º
Romaria das CEBs da Arquidiocese de Goiânia a Trindade. Participaram em torno
de mil pessoas. Foi uma verdadeira experiência de fé, de irmandade, de vivência
comunitária e de renovação do nosso compromisso de seguidores e seguidoras de
Jesus. Foi um sinal concreto que o sonho de Jesus de Nazaré está acontecendo
hoje
Leia também o artigo “As CEBs: seu
jeito de ser Igreja”, em: http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20140912&p=24 ou
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 17
de setembro de 2014
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