“Ai dos juízes que fazem leis injustas” (Is 10,1)
Sábado, dia 13, o Jornal O Popular publicou a reportagem:
“Auxílio-moradia. Juízes recebem retroativo a 2008”. Lendo a notícia, o sangue
ferveu e a indignação tomou conta do meu ser. Quando já estava me refazendo do
susto, terça-feira, dia 16, no mesmo Jornal, saiu outra reportagem: “Auxílio-moradia.
Promotores também vão receber. Categoria começa a se mobilizar para garantir
pagamento retroativo a 2008 até para os aposentados”. O sangue ferveu novamente
e a indignação voltou. Parece uma competição entre juízes e promotores para ver
quem fica em primeiro lugar na ganância, no roubo e na imoralidade pública. É
de chorar! É realmente uma sem-vergonhice que não tem limites!
Todas as pessoas - penso eu - que tomaram
conhecimento das reportagens e que têm um mínimo de consciência moral, devem
ter tido a mesma reação que eu tive. Pergunto: como é possível que juízes e
promotores aceitem, com tanta cara-de-pau, tamanha imoralidade? Como é possível
confiarmos em juízes e promotores, que não têm nenhuma sensibilidade humana e
nenhuma responsabilidade social?
Felizmente,
ainda existem algumas exceções que são motivo de esperança. Em Goiás, apenas um
desembargador do TJ “negou-se a receber o benefício, de acordo com a
administração do Tribunal, que não quis divulgar o nome dele”. Desembargador, sua
atitude é exemplar, divulgue o seu nome e defenda a justiça com orgulho e de
cabeça erguida! Não tenha medo! A verdade deve ser proclamada de cima dos
telhados e em alta voz!
Outro caso é o do juiz do Trabalho Celso Fernando
Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), que merece o nosso reconhecimento pelo
testemunho que nos deu. Ele negou-se a receber o auxílio-moradia por considerar
a gratificação “imoral, indecente e antiética” (palavras que tomo emprestadas
como título do meu artigo). A atitude dele ganhou repercussão nacional. Ah, se
todos os juízes fossem como os dois citados!
Vejam,
pois, o que acontece com os juízes que querem ser honestos. “Magistrados que
recusam o benefício correm o risco de serem malvistos pelos colegas de toga”.
Que absurdo! Para os juízes que defendem - sem nenhum escrúpulo de consciência
- tamanha maracutaia, a atitude dos que recusam o auxílio-moradia é uma falta
de “solidariedade de classe” incompreensível.
De acordo com a reportagem de sábado, dia 13, “o Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) começou a pagar, no mês passado, um total
de R$ 43 milhões de auxílio-moradia a magistrados com mais de cinco anos de
carreira. Os valores e a quantidade de parcelas pagas a juízes e
desembargadores são distintos no montante. Além da quantia retroativa a 2008,
eles continuarão recebendo todo mês o valor do benefício reajustado (R$
4.377,73), o que provocará impacto anual de mais R$ 15 milhões nos cofres
públicos”. É um verdadeiro assalto ao dinheiro do povo e um roubo legalizado.
Como
se fosse a coisa mais natural do mundo, “o presidente do TJ-GO, desembargador
Ney Teles de Paula, autorizou o pagamento do retroativo em 29 de outubro,
atendendo a um pedido da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás
(Asmego). O despacho de Ney Teles não especifica, no entanto, a quantidade de
beneficiados que receberão as parcelas retroativas. O desembargador baseou-se
em liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e em
resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em 7 de outubro, definiu
o teto do benefício, com pagamento retroativo a 15 de setembro deste ano”.
Em
Goiás, a imoralidade do auxílio-moradia adquire proporções ainda maiores.
Reparem: “juízes e desembargadores do Poder Judiciário do Estado de Goiás já
recebiam o benefício no valor de R$ 2,3 mil - o equivalente a 10% do subsídio -
desde janeiro de 2013, com base na Lei estadual 17.962/13. Uma resolução da
Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás regulamentou a norma e previu a
retroatividade pelos 60 meses anteriores, o que, na prática, alcança o ano de
2008”. Que descaramento!
De
acordo com a reportagem de terça-feira, dia 16, “o Ministério Público do Estado
de Goiás (MP-GO) começa a se articular para conceder auxílio-moradia retroativo
a 2008 a promotores e procuradores de Justiça, nos mesmos moldes do que já
passou a ser pago, em novembro, a juízes e desembargadores do Poder Judiciário
Estadual. Representantes do órgão ministerial sustentam que também têm direito
ao efeito retroativo, baseando-se no princípio da paridade. A categoria quer
que o benefício também seja pago aos membros aposentados, assim como já pediram
os magistrados, e a casais”. A reivindicação dos promotores tem o apoio do
procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado.
O presidente
da Associação Goiana do Ministério Público (AGMP), o procurador de Justiça
Benedito Torres Neto, sustenta que “se é paga (a retroatividade a 2008) no
Judiciário, pelo princípio da paridade, deve ser paga no Ministério Público”.
Em
se tratando dos seus interesses, os juízes e promotores são realmente
especialistas na utilização de artifícios jurídicos, que justifiquem legalmente
a imoralidade. Eles querem “parecer” (não ser) pessoas de bem.
Uma
reportagem de O Popular, de 20 de outubro passado, mostra que os cofres
públicos terão uma baixa anual de quase R$ 50 milhões para pagamento de
auxílio-moradia a 904 magistrados, promotores e procuradores de Justiça que
atuam em Goiás, nas esferas estadual e federal.
É
uma afronta aos trabalhadores, sobretudo aos que ganham o salário mínimo, que
são a maioria. É uma injustiça que clama diante de Deus.
Termino
fazendo uma advertência: lembrem os juízes e os promotores que se o dinheiro “roubado”
dos cofres públicos (mesmo legalmente) - que é dinheiro do povo, principalmente
dos pobres - não for devolvido, Deus fará justiça. Aguardem!
Leia
também - na internet - o artigo “Auxílio-moradia dos juízes: imoralidade
pública legalizada”, de 17 de outubro deste ano.
Como
não podia ficar calado diante de uma injustiça tão gritante, retomarei nos
próximos artigos as reflexões sobre os pontos marcantes do Discurso de
Francisco no Encontro Mundial de Movimentos Populares, já iniciadas nos anteriores.
Em
tempo: o desembargador de Goiás, que não aceitou o auxílio-moradia, é Alan
Sebastião de Sena, que hoje - quinta-feira, dia 18 - concedeu uma entrevista ao
O Popular, na qual ele mostra sua coerência de vida, afirmando: “não é nenhum desejo de ser moralista,
apenas ser coerente com uma história de vida”. É essa a verdadeira moral (não
moralismo), a verdadeira ética!
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 18 de dezembro de 2014
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