Termino - ao menos por
enquanto - a terceira e última série de reflexões teológico-pastorais sobre a
Igreja na perspectiva libertadora, abordando a questão da “obediência” na Igreja.
Jesus, como ser humano, “foi obediente até a morte e morte de cruz”
(Fl 2,8) por estar em plena e total
“comunhão” com o Pai. “Pai, se queres, afasta de mim este cálice. Contudo,
não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42). Jesus, “embora sendo Filho,
sofrendo aprendeu o que é obedecer.
Levado à perfeição, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos/as os/as
que lhe obedecem” (Hb 5,8-9).
Com sua vida, Jesus nos
mostra que ser obedientes significa estar:
- em plena comunhão com Deus e
- totalmente disponíveis para realizar o seu Projeto no mundo, que é o Reino
Todos
e todas nós cristãos e cristãs - cada um e cada uma de acordo com sua vocação
particular - somos chamados e chamadas a viver,
teórica e praticamente, essa obediência.
Aqueles
e aquelas que na Igreja e, sobretudo, na “Vida
Cristã de Particular Consagração” (Vida Religiosa Consagrada) são chamados
e chamadas a exercer o ministério da Coordenação
nos diversos níveis devem ser mais
obedientes do que os outros e as outras.
Por objeção de consciência -
às vezes - para sermos obedientes, temos que praticar a “desobediência civil” e/ou
“religiosa”, como fez o próprio Jesus.
Na
Igreja - que é (ou, deveria ser) uma Comunidade de irmãos e irmãs “em comunhão”, iguais em dignidade e
valor - as relações entre as pessoas e entre os diferentes ministérios
(serviços) devem ser relações de
“comunhão”: “comunhão eclesial”.
Ora,
nas relações de “comunhão” não há
espaço para relações de “dependência”,
de “submissão”, de “subordinação”, de “subserviência”, de “dominação”, de
“inferioridade” ou “superioridade”. Todos e todas - na diversidade dos
carismas (dons) e ministérios (serviços) - são sujeitos eclesiais conscientes e
responsáveis de suas opções, atitudes e atos. “A cada um/uma é concedida a
manifestação do Espírito para o bem comum” (1Cor 12,7).
Na
Igreja, as palavras “obediência”, “autoridade”,
“poder”, não têm (ou, não deveriam ter) o mesmo sentido que têm na
sociedade, sobretudo na sociedade capitalista neoliberal de hoje. "Vocês
sabem: aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os
seus dirigentes têm autoridade sobre elas. Mas, entre vocês não deve ser assim:
quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de
vocês quiser ser o primeiro, deve tornar-se o servidor de todos" (Mc
10,42-44).
Há
tempo, um conhecido jurista escreveu com certa ironia: “por incrível que pareça,
a palavra ‘superior’ ainda é usada
somente no meio militar e no meio religioso”. É lamentável!
Ninguém
é “superior” a ninguém e a última razão do agir humano é sempre a consciência
da pessoa, que deve ser respeitada.
Infelizmente,
na Igreja e - de maneira especial - na “Vida Cristã de Particular Consagração”
(Vida Religiosa Consagrada), a
“obediência” tornou-se às vezes (felizmente, não sempre) uma questão meramente jurídica e formal,
que violenta a consciência das pessoas e não tem nada a ver com o Evangelho.
Para
exemplificar, cito dois casos. Primeiro: “Irmã Maria” (nome fictício) é
transferida pela “Superiora” Provincial da Casa onde mora atualmente no Brasil para
outra, em outro país. Depois de muita reflexão e oração, a Irmã diz à “Superiora”
que em consciência, pela idade avançada e outras razões pessoais, não está em
condições psicológicas de aceitar a transferência. Mesmo assim, em nome da
obediência, a “Superiora” mantém a transferência e a Irmã, seguindo sua consciência,
decide deixar a Congregação e continuar com o seu compromisso de doação
exclusiva a serviço do Reino de forma particular.
Segundo
caso: Frei Pedro (nome fictício) é transferido pelo “Superior” Provincial da
Casa Religiosa onde mora atualmente para outra, em outro lugar, para assumir
uma nova responsabilidade pastoral. O Frei está passando por um período de
graves problemas pessoais e a única coisa da qual precisa no momento é toda
atenção, compreensão e carinho dos irmãos. Mesmo assim, em nome da “obediência”,
o “Superior” mantém a transferência, sem medir as possíveis consequências de
seu ato.
Essa
obediência meramente “jurídica e formal”
- que não respeita a consciência das pessoas, a última razão do agir humano - é
uma violação dos Direitos Humanos. Meditemos!
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