quarta-feira, 27 de abril de 2011

Espiritualidade pascal e Campanha da Fraternidade/11

Pretendo, neste escrito, dar continuidade às reflexões do artigo “Espiritualidade pascal” (Diário da Manhã, 21/04/11, p. 15; Adital, 26/04/11), relacionando-as com o tema da Campanha da Fraternidade/11. A espiritualidade cristã (radicalmente humana) - por ser uma espiritualidade pascal (cristológica, pneumatológica e trinitária) - brota da vivência, sempre mais profunda e sempre mais envolvente, do ano litúrgico, que tem como centro a Páscoa. 
            "De acordo com a tradição mais antiga da Igreja, a vida espiritual é ancorada na participação na liturgia. Na liturgia o tempo cronológico é transformado em tempo de Deus - kairológico. Tempo da ação de Deus, que sempre agiu em favor do seu povo. Ao fazermos memória da Páscoa do Senhor, participamos de seu mistério de morte e ressurreição. Em outras palavras, fazer a memória do Cristo é participar; é entrar em comunhão com o seu corpo (tornar um só corpo com Ele e com os irmãos); é participar do seu destino; é participar da ressurreição na vida que brota da sua entrega. Quando nos reunimos para celebrar o mistério de Cristo, Ele mesmo, por seu Espírito, nos vai moldando à sua estatura, porque assume nossa vida em seu mistério (Cf. At 20, 7-12). O caminho de configuração com Cristo se dá pouco a pouco, no itinerário pedagógico-espiritual que o ano litúrgico proporciona. Durante o ano litúrgico, que tem como eixo e fundamento a Páscoa, vamos progressivamente inserindo-nos no mistério pascal de Jesus Cristo" ((Ir. Veronice Fernandes, pddm - www.cnbbsul1.org.br - 25/03/08).
            A liturgia é a celebração do mistério pascal na vida e a celebração da vida no mistério pascal. "A celebração litúrgica repercute na vida e a vida é celebrada. Celebração e vida estão intimamente ligadas. Como seguidores de Jesus Cristo progressivamente nos tornamos uma coisa só com ele. É um processo (…) que atinge todo o universo e que se dá concretamente no cotidiano da nossa história. Cristo, embora tenha passado pela morte, venceu-a. Nós também venceremos. Acreditemos na vida" (Ib.).
            Na celebração do mistério pascal na vida e da vida no mistério pascal, “trata-se da recriação de nosso eu, adquirindo a forma de Jesus Cristo ressuscitado, segundo o Espírito de Deus. É processo lento e sofrido, e ao mesmo tempo alegre e esperançoso, que deverá durar até a nossa morte. Perfazendo seu próprio caminho pascal, cada pessoa está ao mesmo tempo participando e colaborando na Páscoa de todo o tecido social, de toda a realidade cósmica (Cf. Rm 8, 18-25)) até à plena comunhão, quando Deus será tudo em todos (Cf. 1Cor 15, 28)" (Ione Buyst. Viver o mistério pascal de Jesus Cristo ao longo do ano litúrgico: um caminho espiritual. Semana de Liturgia, São Paulo. outubro de 2002).
A espiritualidade cristã como espiritualidade pascal é a "espiritualidade da comunhão" (Documento de Aparecida - DA, 181, 307, 316); é a “espiritualidade da comunhão com todos os que creêm em Cristo” (comunhão ecumênica) (DA, 189); é a “espiritualidade da comunhão missionária" (com todos os seres humanos) (DA, 203); e, em outras palavras. é a espiritualidade do seguimento de Jesus de Nazaré.
“O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como mestre, que o conduz e acompanha" (DA, 277). “No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até à doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (DA, 139).
Como discípulos/as de Jesus Cristo e como Igreja Povo de Deus, “sentimo-nos desafiados a discernir os 'sinais dos tempos', à luz do Espírito Santo, para nos colocar a serviço do Reino, anunciado por Jesus, que veio para que todos tenham vida e 'para que a tenham em plenitude' (Jo 10, 10)” (DA, 33; Cf. 366). Discernir, pois, os sinais dos tempos significa ouvir os apelos de Deus nos acontecimentos e sintonizar com eles. A Igreja, em sua ação evangelizadora, ou seja, no anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus, deve ser servidora e samaritana.
            Precisamos os cristãos/ãs experimentar, cada vez mais, a "dinâmica histórica do Espírito Santo". O Espírito Santo "é o fogo do amor que arde entre o Pai e o Filho. E esse fogo é Deus-amor divino que une as pessoas da Trindade. Esse mesmo amor está agindo, conforme a vontade das pessoas, também no cosmos inteiro". Os cristãos/ãs tornamo-nos instrumentos para o agir do Espírito Santo na medida do nosso compromisso em fazer acontecer a Páscoa (passagem da morte para a vida: vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito) ou, em outras palavras, o Reino de Deus no mundo de hoje. Isso significa “transformar estruturas injustas em estruturas justas; transformar egoísmo em amor; converter  mecanismos  de opressão em solidariedade; comutar atitudes de poder em fraternidade”. Por outro lado, “opor-se a tal transformação das estruturas significa tornar-se obstáculo ao agir do Espírito Santo, e isso ocorre também quando se tenta justificar tal oposição com argumentos religiosos. Tais atitudes o próprio Jesus já encontrou no seu tempo, e as suas advertências permanecem válidas para todas as épocas" (Renoldo J. Blank, A dinâmica histórica do Espírito Santo. Em: Vida Pastoral, janeiro-fevereiro de 2007, p. 7-8).
A Campanha da Fraternidade/11 tem como tema: “Fraternidade e a Vida no Planeta” e como lema “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22). 
Os cristãos/ãs somos chamados a ser “profetas da vida”. “Como profetas da vida, queremos insistir que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida, em prejuízo de nações inteiras e da própria humanidade” (DA, 471).
            Os religiosos/as - por ser a vida religiosa uma vida de especial consagração a Deus e “um projeto de vida cristã radical” - temos, na Campanha da Fraternidade/11, um papel de fundamental importância. O nosso referencial é sempre a vida de Jesus de Nazaré e o nosso compromisso com “a vida no planeta” acontece nas situações concretas da realidade humana e cósmica, a partir dos empobrecidos, oprimidos e excluídos da sociedade.
            Por vocação, os religiosos/as somos chamados a dar a vida por amor -  numa entrega que, dentro de nossas possibilidades, deve ser total e exclusiva - a serviço da “vida no planeta” ou, em outras palavras, a serviço do Reino de Deus. “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
            Os religiosos/as somos chamados a ser não só “profetas da vida” (como todos os cristãos/ãs), mas “radicalmente profetas da vida”. Hoje, na América Latina e no Caribe, a vida religiosa “é chamada a ser uma vida missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do Pai, por isso mesmo radicalmente profética, capaz de mostrar, à luz de Cristo, as sombras do mundo atual e os caminhos de uma vida nova” (DA, 220).
            Falando da ética do cuidado, a CF11 nos lembra: “É absolutamente necessário desejar que o resgate da responsabilidade ética motive e faça convergir ações de cunho social até de alcance planetário, visando o cuidado deste imenso ser vivo chamado planeta Terra. (…) A opção pela vida é o grande referencial. Assim tem sido e esta opção precisa ser reafirmada, recolocando no centro da pauta da humanidade o cuidado com o mundo vital” (Texto-Base, 94).
             Falando, pois, da dimensão crística do universo inteiro, a CF11 nos lembra ainda: “O universo inteiro possui uma dimensão crística. A encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo possuem um significado cósmico, totalmente universal. A libertação da natureza, manipulada abusivamente pelo ser humano, está incluída na libertação do pecado humano para a vivência da liberdade concretizada no amor-serviço. Inclui as relações responsáveis e solidárias com as outras criaturas. Hoje, fica cada vez mais claro que a salvação do ser humano é inseparável da salvação da criação toda (Rm 8, 19-23). O destino de ambos está intimamente ligado” (Texto-Base, 183). Que a Páscoa e a CF11 sejam, para todos nós, fonte inesgotável de vida nova.
           
Diário da Manhã, Goiânia, 27/04/11, p. 5


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


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