O mês de setembro/11 foi o mais
violento da história de Goiânia com 56 homicídios. Destes homicídios, 71,42% (a
média nacional é de 51,41%) com idade de até 30 anos: 5 (8,92%) com menos de 18
anos e 35 (62,5%) entre 18 e 30 anos. Adriana Ribeiro, titular da Delegacia de
Homicídios, diz que não é possível apontar um motivo específico para esse
aumento de homicídios em setembro. No entanto, ela cita como motivos - entre outros
- as dívidas de drogas e as brigas por ponto de tráfico (Cf. O Popular,
01/10/11, p. 3).
Que tragédia! Por que tanta
violência e tanto desrespeito para com a vida humana? Por que os jovens são as
maiores vítimas dessa violência e desse desrespeito? Por que eles se envolvem com
o mundo das drogas e, sobretudo, do crack? Quais as causas?
É verdade que o ser humano - por ser
histórico (situado e datado) – é fruto do meio ambiente, mas é verdade também
que ele faz o meio ambiente. Por isso, não quero negar a responsabilidade
pessoal de quem comete atos de violência ou assassinatos (a não ser em casos
patológicos), mas, a meu ver, as causas principais destes atos são de caráter
estrutural e conjuntural.
O sistema capitalista neoliberal, no qual nós
vivemos, é estrutural e conjunturalmente violento. A violência sistêmica é uma
violência legalizada e institucionalizada. As pessoas que defendem e sustentam
esta violência são consideradas, muitas vezes, pessoas “de bem” e até pessoas “religiosas”,
que praticam “a caridade”. São os fariseus de hoje, que cumprem formalmente
todas as leis, mas não praticam a justiça. Certamente Jesus de Nazaré diria a
estas pessoas: “Raça de cobras venenosas, quem lhes ensinou a fugir da ira que
vai chegar? Façam coisas que provem que vocês se converteram”. “Se vocês são
maus, como podem dizer coisas boas? Pois a boca fala aquilo de que o coração
está cheio” (Mt 3, 7-8 e 12, 34).
Em outras palavras, o sistema capitalista neoliberal é um “sistema
econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385), um “sistema nefasto”,
porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a
concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção
como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Paulo
VI, Populorum Progressio - PP, 26).
Podemos dizer
que o sistema capitalista neoliberal é "o mal maior, o pecado acumulado, a
raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza,
a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização
de um Povo, 1973). Baseado na desigualdade social, ele oprime, marginaliza,
exclui e assassina os pobres como material descartável. O importante não é a
vida do povo, mas o deus-mercado e os interesses dos
seus servidores e adoradores.
“Os elementos da violência estrutural são a
ausência de infra-estrutura e planejamento urbano dos bairros periféricos, onde
às vezes o Estado só se faz presente nas ações policiais; péssimas escolas com
baixa qualidade de ensino, o que por si só impede a mobilidade social;
hospitais e postos de saúde sem médicos, leitos e remédios, o que veda o acesso
à saúde; oferecimento insuficiente de defensoria pública para quem não pode
pagar um advogado, o que veda o acesso à Justiça, etc. Quem vive e cresce
dentro desse sistema de precariedade e exclusão, acaba tendo a percepção de que
a sua vida vale menos. É essa precariedade das condições de vida que leva ao aumento
de outro tipo de violência, a criminal”.
A relação entre o crime e a exclusão social (que
na realidade, por ser permanente e estrutural, é um crime muito maior), ou seja,
a relação entre a violência estrutural e a violência dita criminal, “constitui uma
ameaça para as pretensões hegemônicas das elites econômicas que historicamente
impedem a participação das outras parcelas da população na estrutura
governamental e concentra a administração do Estado dentro do seu grupo social.
Assim, conseguem tirar dele ainda mais benefícios, vetando ao restante da
população os privilégios que ela recebe do Estado e fragilizando a estrutura
social daqueles que realmente dependem desses benefícios. O resultado é a
precariedade dos serviços públicos destinados a população de baixa renda, que
não pode pagar por eles. Para evitar a associação da criminalidade com a
violência estrutural, as elites usam como instrumento, através da mídia, que
lhes pertence, a construção de um senso comum, uma visão de mundo onde a
criminalidade é a violência em si e não uma consequência de outro tipo de
violência”.
Esse senso comum não considera a violência
estrutural como causa da violência dita criminal, mas como simples incompetência
dos governos responsáveis e, por conseguinte, como uma fatalidade.
-
"Morreu na fila do Pronto
Socorro? Chegou a hora dele, fazer o quê?".
- "O filho deixou a escola? É que ele não
tinha inclinação para os estudos”.
- "Está desempregado? É acomodado, preguiçoso,
não se especializa”.
- “Sofreu constrangimento ou abuso da autoridade
policial? Ficou dando "sopa"
na rua até
tarde da noite”.
Ao mesmo tempo, a mídia cobra com urgência ações
mais “efetivas” contra a violência criminal e legitima o aumento da repressão policial
contra aqueles que o Estado já havia excluído. “Os violentados se tornam os
violentos”.
“A violência
delinquencial não é um fenômeno uniforme, monolítico, que se abate sobre a
sociedade como algo que lhe é exterior. Pelo contrário: Ela é polifórmica,
multifacetada, encontrando-se diluída na sociedade sob as mais diversas
manifestações, que se interligam, interagem, (re)alimentam-se e se fortalecem”.
Até hoje, nenhum governo “teve como
prioridade à educação e o bem estar de todos os brasileiros porque nenhum deles
foi eleito para isso. Suas prioridades são outras e as do grupo que o elegeu
também. Quase todo candidato a cargos eletivos tem nos discursos sobre a
segurança pública o seu ponto forte, porque sabe que rende muitos votos, mas
seu compromisso é com a segurança do seu grupo e com a manutenção dos seus
privilégios. As áreas sociais e educacionais não estão entre eles” (Eduardo E.
S. Prado. Violência Estrutural e Violência Criminal. Em: www.ideiaseensaios.com.br.
Citando: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. A
concretização de políticas em direção à prevenção da violência estrutural, 2007).
Em nossa sociedade moderna, é
urgente: denunciar, alto e bom som, as
"situações de pecado" (DA, 95), as "estruturas de pecado"
(DA, 92, 532) e as "estruturas de morte" (DA, 112); colaborar
"com outros organismos ou instituições para organizar estruturas mais
justas nos âmbitos nacionais e internacionais; criar novas estruturas que
consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual não haja iniquidade
e onde haja possibilidades para todos. Igualmente, requerem-se novas estruturas
que promovam uma autêntica convivência humana (…)" (DA, 384).
Adriana Ribeiro, titular da
Delegacia de Homicídios, reconhece que a nossa sociedade não tem uma estrutura
apropriada para enfrentar o aumento de homicídios e afirma: “Tem de se tentar
tirar os jovens das drogas, o que se dá através de políticas públicas” (O
Popular, Ib.). Infelizmente, o que temos hoje de políticas públicas é um
paliativo, é um faz-de-conta.
Quando será que o Poder Público - Municipal,
Estadual e Federal - cumprirá a Constituição Federal? Ela nos lembra que os
direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com
absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser
colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
A
Constituição Federal afirma que os Estados e os Municípios devem aplicar
anualmente “vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de
impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino” (Art. 212). Reparem: a Constituição Federal reza:
“no mínimo”. Isso quer dizer que, se houver necessidade, o Estado pode e deve
aplicar mais.
A
Constituição Federal afirma também que o direito à educação, entre outros
direitos, deve ser assegurado à criança e ao adolescente, “com absoluta
prioridade” (Art. 227. Ora, se o direito à educação deve ser assegurado “com
absoluta prioridade”, mesmo que faltem verbas para outras obras, nunca deveriam
faltar para a educação. Em caso contrário, não se trataria de “absoluta
prioridade”.
Sempre a
respeito da educação, a Constituição Federal diz ainda: “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art.
205).
Precisamos retomar a “Campanha Nacional
Contra a Violência e Extermínio de Jovens”, lançada pelas Pastorais da
Juventude da CNBB em 2009, e unidos gritar: “Chega de Violência e Extermínio de
Jovens”.
Enfim, precisamos, com muita fé e esperança,
abrir caminhos novos que
façam
acontecer um projeto alternativo (popular) de sociedade e um outro mundo
possível.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 11/10/11, p. 6
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG
(aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em
Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e
Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato
Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da
Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 10 de outubro de 2011
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