Neste 2º artigo sobre o
2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares destaco o primeiro ponto marcante
do Discurso do Papa Francisco: precisamos e queremos uma mudança de estruturas.
Com firmeza, Francisco declara:
“começamos por reconhecer que precisamos duma mudança”. Para que não haja
mal-entendidos, ele esclarece: “falo dos problemas comuns de todos os
latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. Problemas que têm uma
matriz global e que atualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo”.
Depois deste esclarecimento, o Papa propõe que nos coloquemos três perguntas.
Primeira: “reconhecemos que as coisas não andam bem
num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem teto, tantos
trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?”
Segunda: “reconhecemos que as coisas não andam bem,
quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera
até dos nossos bairros?”
Terceira: “reconhecemos que as coisas não andam
bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça
constante?”
Afirma, pois, com objetividade: “então digamo-lo sem medo: precisamos e
queremos uma mudança”.
Fraternal e
carinhosamente, o Papa lembra: “nas cartas de vocês e nos nossos encontros,
relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que sofrem em cada trabalho,
em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas como muitas e
diferentes são as formas próprias de as enfrentar. Mas há um elo invisível que
une cada uma destas exclusões: conseguimos reconhecê-lo? É que não se trata de
questões isoladas”.
Com realismo, Francisco diz ainda: “pergunto-me se
somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um
sistema que se tornou global. Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do
lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da
natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma
mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o
suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades,
não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra,
como dizia São Francisco”.
O Papa continua insistindo: “queremos uma mudança
nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima;
mas uma mudança que atinja também o mundo inteiro, porque hoje a
interdependência global requer respostas globais para os problemas
locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os
pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença”. Pela
coragem de dizer a verdade e pela clareza de suas palavras, Francisco é
realmente um grande profeta do nosso tempo!
Como um irmão e companheiro de caminhada, o Papa
afirma: “hoje quero refletir com vocês sobre a mudança que queremos e
precisamos. Como sabem, recentemente escrevi sobre os problemas da mudança
climática. Mas, desta vez, quero falar duma mudança noutro sentido. Uma mudança
positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança - poderíamos dizer -
redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que vocês buscam uma mudança e não
apenas vocês: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há
uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do
mundo. Mesmo dentro da minoria cada vez mais reduzida que pensa sair
beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e sobretudo a tristeza. Muitos
esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que
escraviza”.
Francisco - sempre com clareza - continua dizendo:
“o tempo, irmãos e irmãs, parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar
entre nós, mas chegamos até a ter o assanhamento de lutar contra a nossa casa.
Hoje, a comunidade científica aceita aquilo que os pobres já há muito
denunciam: produzem-se danos talvez irreversíveis no ecossistema. Castiga-se a
terra, os povos e as pessoas de forma violenta”.
E ainda: “por
trás de tanto sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio
de Cesareia chamava ‘o esterco do diabo’: reina a ambição desenfreada de
dinheiro. O serviço ao bem comum fica em segundo plano. Quando o capital se
torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do
dinheiro domina todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o
ser humano, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz
lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum”.
Em tom coloquial, o Papa continua dizendo: “não
quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vocês
os conhecem! Mas também não basta assinalar as causas estruturais do drama
social e ambiental contemporâneo. Sofremos de um certo excesso de diagnóstico,
que às vezes nos leva a um pessimismo ilusório ou a rejubilar com o negativo.
Ao ver a crônica dos crimes de cada dia, pensamos que não haja nada que se
possa fazer, além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos
amigos”.
Identificando-se com os trabalhadores e
trabalhadoras explorados e oprimidos, ele declara: “que posso fazer eu, recolhedor
de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas,
se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante,
carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos trabalhistas?
Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador, que dificilmente consigo
resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da
minha comunidade, do meu barraco, do meu povoado, da minha favela, quando sou
diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer aquele estudante,
aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e
os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para
os meus problemas?”
Francisco - que confia plenamente nos trabalhadores
e trabalhadoras - responde: “Muito!
Podem fazer muito”. Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e
excluídos, podem e fazem muito”.
Em sua opção pelos pobres, que, na realidade, é uma
entranhável solidariedade para com eles, o Papa conclui: “atrevo-me a dizer que
o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade
de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos
‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como
protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais.
Não se acanhem!”.
Como já disse, estamos diante de uma revolução evangélica.
Na qualidade de “profetas e profetisas da vida”, participemos dessa revolução!
(Leia também: “2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares: seu
significado”, em:
http://www.dm.com.br/opiniao/2015/08/2o-encontro-mundial-dos-movimentos-populares-seu-significado.html
ou http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86069).
Fr
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 12 de agosto de 2015
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