Sem nenhuma pretensão e pensando em voz alta, faço
algumas reflexões sobre a crise política atual no Brasil.
Infelizmente,
estamos assistindo de camarote a um espetáculo circense deprimente, que dá
nojo. É difícil acreditar que em pleno século XXI exista na prática política
tanta barganha, tanto oportunismo e tanta sem-vergonhice! Tudo é permitido,
tudo é natural. Bobo é quem não aproveita a oportunidade de seu mandato
político ou cargo público - que deveria estar a serviço do bem de todos e de
todas - para defender seus interesses pessoais e para enriquecer a si e a seus
familiares com a prática da propina, da corrupção e do desvio de dinheiro
público, que muitas vezes é um roubo legalizado.
Hoje
no Brasil temos: de um lado, o grupo político - cuja prática conhecemos há
tempos - dos que sempre defenderam o projeto capitalista neoliberal (partidos
da direita, liderados pelo PSDB), que perderam as últimas eleições presidenciais
e querem descaradamente (com qualquer meio e a qualquer custo) retomar o poder;
de outro lado, o grupo político - cuja prática pensávamos fosse diferente - dos
que estão atualmente no governo federal (partidos da “chamada” esquerda,
liderados pelo PT), que - apesar de ter suscitado tantas esperanças nos trabalhadores
e trabalhadoras e nos pobres em geral - para ganhar o poder (também com qualquer
meio e a qualquer custo) traíram o povo, venderam-se e aliaram-se a uma parte
do outro grupo político que sempre dominou a política brasileira.
O
grupo político do PT e seus aliados tornou-se de fato o gestor do sistema
capitalista neoliberal que, “reformado” e “maquiado”, foi chamado de
neodesenvolvimentismo: uma grande ilusão.
Não
existe (como dizem alguns) o perigo da volta ao projeto do neoliberalismo. Ele
está aí. Nunca saiu. Os governos do PT e seus aliados não conferiram (como
dizem outros) centralidade aos pobres e aos marginalizados, defendendo uma
prática política realmente integradora dos excluídos e das excluídas.
Na
realidade, esses governos não fizeram nada ou quase nada a respeito da reforma
agrária popular e deram total apoio ao agronegócio. Não fizeram nada ou quase nada
a respeito das políticas públicas em favor da organização dos trabalhadores e
trabalhadoras, dos movimentos populares e de sua luta por um projeto político
de sociedade e de mundo estruturalmente novo. Ao contrário, procuraram cooptar
e, muitas vezes, criminalizar os trabalhadores e trabalhadoras e os movimentos
populares. A respeito do ajuste fiscal, esses governos - apesar da pressão da
sociedade organizada para que isso fosse feito - nunca taxaram as grandes
fortunas e os custos do ajuste recaem sempre em cima dos trabalhadores e
trabalhadoras, reduzindo ou cortando benefícios conquistados a duras penas e
com muita luta.
A política
econômica dos governos do PT e seus aliados sempre foi e - mesmo em crise -
continua sendo voltada para a defesa dos interesses do sistema dominante, que é
o sistema capitalista neoliberal, “reformado” e “maquiado” de
neodesenvolvimentismo. Nesses governos - só para citar um exemplo - os
banqueiros tiveram e ainda têm os maiores lucros de toda sua história.
Ao
povo são oferecidas somente as migalhas dos programas sociais, como Bolsa
Família e outros, que tiram, ao menos provisoriamente, muitas pessoas da
miséria dando condições de uma vida minimamente digna, mas que, ao mesmo tempo,
servem para desarticular os movimentos populares, amortecer a luta política, e manter
o povo submisso (sem perigo de revoltas) aos detentores do poder econômico.
Giovanni
Alves, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor da Unesp, afirma: “Como
herdeiro político capaz de dar prosseguimento ao projeto burguês de
desenvolvimento no Brasil, o PT qualificou-se nos últimos vinte anos, pelo
menos desde a sua derrota política e eleitoral em 1989, como partido da ordem
burguesa no Brasil. Com a argúcia política de Lula, construiu alianças com os
donos do poder oligárquico, visando não apenas a governabilidade (capitalista,
é claro!), mas a afirmação hegemônica do projeto social neodesenvolvimentista
no Brasil”.
E
ainda: “Sob fogo cruzado da direita oligárquica, rançosa e golpista, o PT e
seus aliados políticos aparecem hoje como gestores do capitalismo organizado no
pais, a serviço do grande capital monopolista privado nacional. Na medida em
que se colocou como legatário da ordem burguesa o PT, em si e para si,
tornou-se incapaz por si só, diga-se de passagem, de suprimir o DNA inscrito no
‘código genético’ do capitalismo brasileiro: hipertardio, portanto carente de
modernização; dependente, portanto integrado aos interesses do capital
financeiro internacional, perseguindo, no limite, um ‘lugar ao sol’ na
decrépita ordem burguesa hegemônica; de extração colonial-prussiana e viés
escravista, portanto, carente de valores democráticos e republicanos tendo um
metabolismo social do trabalho baseado visceralmente na superexploração da
força de trabalho - é o que explica, por exemplo, que, apesar do
neodesenvolvimentismo e a curta fase áurea do lulismo, os salários brasileiros
hoje continuam baixos. Apesar de o país ter criado cerca de 19 milhões de
empregos formais, a maioria absoluta dos novos empregos criados nos últimos dez
anos tem salários de até um e meio salário mínimo” (http://blogdaboitempo.com.br/2013/05/20/neodesenvolvimentismo-e-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-parte-i/).
Não
posso terminar as minhas reflexões sem comentar um fato - em si de pouca importância,
mas muito revelador - que me deixou estarrecido e, ao mesmo tempo, profundamente
indignado. Trata-se das conferências de Lula, contratadas por grandes empresas
e instituições. Com base no que cobra o ex-presidente norte-americano Bill
Clinton (que belo exemplo a ser seguido por um ex-trabalhador!), a tarifa fixa
por cada conferência é de US$ 200 mil (cerca de R$ 730 mil). Certamente Lula não
vai falar às empresas multinacionais e às instituições financeiras - pedindo
seu apoio - da importância da organização e da luta dos trabalhadores e trabalhadoras
para mudar o sistema capitalista neoliberal! Que traição!
(Leia
também na internet o meu artigo: “Lula, o palestrante de luxo dos banqueiros e
das multinacionais”, maio 2011).
Companheiro
Lula (não sei se ainda posso chama-lo de “companheiro”!) - ex-presidente,
ex-trabalhador, ex-sindicalista, ex-tudo - por que você (que não precisa de
dinheiro para viver) não faz conferências de graça, como voluntário, para os sindicatos
de trabalhadores e trabalhadoras e para os movimentos populares, colocando a experiência
política que adquiriu nesses anos a serviço de sua organização e de sua luta? É
isso que você deveria fazer, se tivesse um mínimo de coerência!
Infelizmente,
tudo indica que você Lula se lambuzou com o poder (que subiu à sua cabeça), ficou
totalmente obcecado por ele e traiu os trabalhadores e trabalhadoras. Passou de
corpo e alma para o outro lado, inclusive dizendo nesses dias, com ironia e
cinismo, que desistiu do tríplex de 215 metros quadrados no litoral paulista
por ser - pelo seu tamanho pequeno - um tríplex “Minha Casa, Minha Vida”. Que
vergonha, Lula!
Enfim,
apesar de tudo o que está acontecendo, diante da crise política atual - para
defender e ampliar os espaços de democracia direta e indireta que temos (na
realidade a nossa democracia é mais uma oligarquia do que uma democracia) - precisamos
combater, com urgência e firmeza, a ameaça de golpe “midiático, judicial e
parlamentar” (como se expressa um grupo de Jornalistas em documento público) -
que se pretende fazer passar com o nome de impeachment - ou qualquer outra ameaça
de golpe. Precisamos também, sempre com urgência e firmeza, combater toda
prática política corrupta, venha de onde vier, processando, julgando e
condenando seus responsáveis.
São
medidas inadiáveis, embora saibamos que a corrupção é um problema endêmico e
faz parte do próprio sistema. Como diz o
Papa Francisco, “o sistema social e econômico é injusto em sua raiz”, é “um mal
embrenhado nas estruturas” (A Alegria do Evangelho - EG, 53 e 59) e precisa ser
mudado.
Em
nome de nossa consciência cidadã e - para nós cristãos e cristãs - em nome
também de nossa Fé, vamos à luta! Uma outra prática política é possível e
necessária!
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 30 de março de 2016
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