Vimos que o sistema capitalista neoliberal é
insustentável e que sua insustentabilidade é estrutural. A Campanha da
Fraternidade Ecumênica 2016 (CFE 2016) - cujo tema é “Casa comum, nossa
responsabilidade” - faz-nos acreditar que uma “outra sustentabilidade” ou um
“outro desenvolvimento sustentável” é possível e necessário. Esse outro desenvolvimento
sustentável é construído por todos aqueles e aquelas que lutam para mudar o
sistema capitalista neoliberal, abrindo caminhos alternativos e fazendo
acontecer um projeto estruturalmente novo de sociedade e de mundo, ou seja, um
projeto baseado em relações de igualdade, de justiça, de solidariedade e de irmandade.
Como já disse outras vezes, é o projeto da sociedade do “bem viver”, que - à
luz da Fé - é o projeto de Jesus de Nazaré: o Reino de Deus acontecendo na história
do ser humano e do mundo.
A
respeito do sistema dominante - que é o sistema capitalista neoliberal - o Papa
Francisco afirma: “Esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos
que voltar a colocar a dignidade humana no centro, e que, sobre esse alicerce,
se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos” (1º EMMP.
Roma, 27-29/10/14).
Esse sistema é o “estado de mal-estar social” ou a causa
última de todos os males sociais e ambientais (http://laurocampos.org.br/2015/01/neoliberalismo-estado-de-mal-estar-social).
Em linguagem teológico-moral, ele é hoje a concretização
histórica do pecado social e ambiental ou pecado estrutural. Não podemos
esquecer essa realidade.
No sistema
capitalista neoliberal - por ser um “sistema econômico iniquo” (Documento de
Aparecida - DA, 385) - a corrupção, a violência, a injustiça, a desumanidade e
a imoralidade são constitutivas da própria estrutura do sistema e consideradas
naturais.
As práticas pontuais de corrupção, de violência, de injustiça,
de desumanidade e de imoralidade, que - quando descobertas - são denunciadas na
mídia, provocam hipocritamente grandes escândalos. Na verdade - mesmo
reconhecendo a responsabilidade das pessoas e dos grupos envolvidos - elas são
simples reflexos de uma iniquidade estrutural muito mais profunda, que é a
iniquidade do sistema.
O
papa afirma categoricamente que “o sistema social e econômico é injusto em sua
raiz” e “um mal embrenhado nas estruturas”. E declara: “devemos dizer ‘não a
uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata”. “Hoje,
tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso
engole o mais fraco”. “O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de
consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do
‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida”. “Os excluídos e excluídas
não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A Alegria do Evangelho - EG, 53
e 59).
O
nosso irmão o Papa Francisco lembra-nos também que “a necessidade de resolver
as causas estruturais da pobreza não pode esperar”. “Os planos de assistência,
que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como
respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os
problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da
especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social,
não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A
desigualdade é a raiz dos males sociais”.
E
diz ainda: “A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que
deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente
apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem
perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral. Quantas
palavras se tornaram molestas para este sistema! Molesta que se fale de ética,
molesta que se fale de solidariedade mundial, molesta que se fale de
distribuição dos bens, molesta que se fale de defender os postos de trabalho,
molesta que se fale da dignidade dos fracos, molesta que se fale de um Deus que
exige um compromisso em prol da justiça. Outras vezes acontece que estas
palavras se tornam objeto duma manipulação oportunista que as desonra. A cômoda
indiferença diante destas questões esvazia a nossa vida e as nossas palavras de
todo significado” (EG, 202-203).
Os protestos dos Movimentos Populares e do povo em geral
- sem deixar de denunciar e combater as práticas pontuais de corrupção (como a
da Petrobras e outras), que são reflexos de um sistema estruturalmente corrupto
- devem ter como foco principal o próprio sistema e apontar caminhos novos que
levem a uma mudança de estruturas.
“A
economia - continua o Papa Francisco - não deveria ser um mecanismo de
acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar
zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos”.
“A nossa casa comum pode comparar-se ora a uma Irmã, com
quem partilhamos a existência, ora a uma boa Mãe, que nos acolhe nos seus braços”.
Esta Irmã, a Mãe Terra, “clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso
irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos pensando que
éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência,
que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de
doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre
os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e
devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8,22). Esquecemo-nos de que
nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído
pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água
vivifica-nos e restaura-nos”.
Em síntese, o Papa Francisco, de um lado, fala que a
economia do sistema dominante - que é o sistema capitalista neoliberal - é uma
“economia de exclusão e desigualdade”, uma “economia idólatra”; uma economia
que “mata”, que “exclui” e que “destrói a Mãe Terra”, e nos pede para dizer
“não” a essa economia. De outro lado, com o coração aberto e cheio de
esperança, fala de uma “economia popular que surge da exclusão e que pouco a
pouco, com esforço e paciência, adota formas solidárias que a dignificam”; de
uma “economia popular e produção comunitária”; de uma “economia verdadeiramente
comunitária”; de uma “economia de inspiração cristã”; de uma “economia justa”;
de uma “economia a serviço das pessoas” (2º EMMP. Santa Cruz de la Sierra -
Bolívia, 7-9/07/15).
È somente nessa economia popular e comunitária que é
possível uma outra sustentabilidade ou um outro desenvolvimento sustentável,
autêntico e integral.
Infelizmente,
os partidos políticos que nestes últimos anos governaram e ainda governam o
Brasil - inclusive o PT que foi uma decepção para os trabalhadores e as
trabalhadoras - “são partidos ‘gestores’ e ‘administradores’ do sistema que
temos”.
O PT
introduziu no governo como inovação “o sistema de Bolsas e outras iniciativas
que levaram à significativa e histórica inclusão social”. (Daniel Aarão Reis
Filho. Entrevista: “A corrupção no Brasil é ampla, geral e irrestrita”. Diário
da Manhã, 13/03/2016, p. 13). Não foi, porém, capaz, ou melhor, não quis (por
ter-se comprometido - antes de ganhar as eleições - com o sistema capitalista
neoliberal dominante) realizar mudanças estruturais significativas no Brasil,
que permanece um país profundamente desigual e injusto.
O
discurso de uma “outra sustentabilidade” ou de um “outro desenvolvimento
sustentável”, possível e necessário, deve levar à “mudança” do sistema
capitalista neoliberal no Brasil e no mundo. E é essa mudança que o Papa
Francisco aponta.
Que a CFE 2016 nos conscientize, nos eduque e nos
comprometa com essa mudança! Páscoa - para os cristãos e cristãs - é “passagem”
para uma vida nova. E é essa “passagem” que desejo a todos os leitores e leitoras.
Feliz “passagem”! Feliz Páscoa!
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 22 de março de 2016
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