No dia 20 de novembro de 2016, na conclusão
do Ano Santo extraordinário da Misericórdia - com a Carta
Apostólica “Misericórdia et mísera” - o Papa Francisco
instituiu o Dia Mundial dos Pobres, que será celebrado sempre em
novembro e, neste ano, no dia 19 (próximo domingo).
No dia 13 de junho passado, o Papa publicou
a Mensagem “Não amemos com palavras, mas com obras” para o 1º
Dia Mundial dos Pobres.
Na Mensagem ele afirma: “No final do
Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o ‘Dia
Mundial dos Pobres’, para que as
Comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e
melhor, sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais
necessitados”.
Diz ainda: “Convido a Igreja inteira e os
homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste Dia, em todos
aqueles e aquelas que estendem as suas mãos invocando ajuda e
pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados
e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende
estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura
do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao
mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua
pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em
todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de
fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens
que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o
dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão”
(6).
(Leia na íntegra a Mensagem de Francisco
em:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/poveri/documents/papa-francesco_20170613_messaggio-i-giornatamondiale-poveri-2017.html).
“A misericórdia - lembra-nos o Documento
de Aparecida - sempre será necessária, mas não deve contribuir
para criar círculos viciosos que sejam funcionais a um sistema
econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia estejam
acompanhadas pela busca de uma verdadeira justiça social, que vá
elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos
de seu próprio desenvolvimento” (385).
À luz da Mensagem de Francisco e a partir
do texto citado, faço algumas reflexões sobre as obras de
misericórdia e o compromisso com a justiça.
A misericórdia é o amor que acontece ou -
em outras palavras - é o amor que se faz história do ser humano e
do mundo. Para que as nossas obras de misericórdia sejam realmente
humanas e evangélicas (isto é, radicalmente humanas) devemos sempre
considerar as pessoas que se encontram em situação de necessidade
(seja qual for) como filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs em
Cristo (não só na teoria, mas sobretudo na prática); e ir ao
encontro dessas pessoas com o desejo de partilhar a vida e os bens,
tratando-as como sujeitos de sua própria história (não como
objetos de “caridade”, que - na realidade - não tem nada de
caridade). Precisamos ser bons samaritanos e boas samaritanas hoje.
Infelizmente, além de obras de
misericórdia realmente humanas e evangélicas, temos também - mesmo
nas Igrejas - obras de assistência social (não propriamente obras
de misericórdia) que - mesmo oferecendo alguma ajuda material às
pessoas necessitadas - não são humanas e evangélicas.
Existem pessoas - e muitas delas se dizem
cristãs (católicas ou evangélicas) -que realizam obras de
assistência social por “egoísmo religioso”, como tranquilizante
de consciência (o único que não se encontra nas farmácias) e para
ganhar o céu, ou meramente “por pena”. Os assistidos e
assistidas são tratadas como “objetos de caridade” e até com
certo nojo.
Só para citar um exemplo, lembro-me de uma
senhora - esposa de um político muito conhecido - que, depois de
oferecer ajuda material aos pobres, voltava para a sua casa e tomava
banho com desinfetante. Ela não percebia - ou não queria perceber -
que o seu lar era muito mais infeccionado que o dos pobres.
A respeito das obras de assistência
social, temos também outro comportamento igualmente desumano e
antievangélico: o de Igrejas (Dioceses, Paróquias e Comunidades)
que falam de boca cheia e até com certo orgulho de suas numerosas
obras sociais, mas não dizem uma palavra sequer de denúncia das
estruturas sociais injustas (que são a causa da miséria da grande
maioria do nosso povo) para não desagradar os poderosos. A grande
maioria dos membros dessas Igrejas - hipócrita e farisaicamente -
não participam (como, em nome de sua consciência cidadã e de sua
Fé, deveriam fazer) das lutas dos Movimentos Sociais Populares para
mudar essas estruturas injustas e construir outro mundo possível.
Preferem - como já afirmei em outra ocasião - ser Igrejas de
Pilatos (que lavam as mãos) ou Igrejas de Judas (que traem Jesus nos
pobres).
Como desculpa para não participar, algumas
dessas pessoas dizem que os Movimentos Sociais Populares - além de
bandeiras que são justas - defendem também outras bandeiras com as
quais não podem concordar.
Pergunto: Os cristãos e cristãs não
devem ser sal da terra, luz do mundo e fermento na massa?
Será que Jesus de Nazaré pediu aos seus
discípulos e discípulas para escolherem a comida que devem salgar,
o mundo que devem iluminar e a massa que devem fermentar? Não é
isso um absurdo?
No 1º Dia Mundial dos Pobres, ouçamos o
convite do Papa Francisco a todos os cristãos e cristãs: “Soube
que são muitos na Igreja aqueles e aquelas que se sentem mais
próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a
Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve,
acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão
‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e
comprometida com os Movimentos Populares.
Convido-vos a todos, bispos,
sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das
periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (Discurso
do Papa Francisco aos participantes do 2º Encontro Mundial dos
Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
Celebremos com muita fé e esperança o 1º
Dia Mundial dos Pobres!
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
15 de novembro de 2017
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