quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Voto ético



    Como eterno aprendiz de filósofo e teólogo da Ética, apresento critérios - racionais (filosóficos) e racionais à luz da Fé (teológicos) - para que, nas eleições políticas, o nosso voto seja ético.
O ser humano é natureza (parte integrante da natureza) e “sabe” que é natureza. Ora - por “saber” que é natureza - ele é um ser histórico, situado (num lugar) e datado (num tempo). A natureza é o jardim e o ser humano (além de ser parte integrante do jardim) é o jardineiro. O jardim não existe sem o jardineiro e o jardineiro não existe sem o jardim.
O comportamento ético do ser humano - em nível de Opção fundamental, de Atitudes e de Atos - é o comportamento mais humano natural e mais natural humano “possível” numa determinada situação histórica concreta.
É à luz desse princípio que surgem critérios para que o nosso voto (ou seja, o nosso ato de votar) seja ético:
  1. Critério estrutural (sistêmico):
Antes de votar, precisamos fazer um juízo ético (juízo de valor) racional (filosófico) e racional à luz da Fé (teológico) sobre o sistema capitalista neoliberal no qual vivemos. Como diz o ditado: pelos frutos conhecereis a arvore. Os principais frutos do sistema capitalista neoliberal são: desigualdade institucionalizada e legalizada: uma violência estrutural permanente, que gera outras violências pessoais e de grupos; idolatria do dinheiro ou primado do deus dinheiro, ao qual tudo é sacrificado, inclusive a vida humana e todas as formas de vida; práxis (unidade dialética de prática e teoria) antiecológica, que destrói sistemática e permanentemente a natureza (a nossa Irmã Mãe Terra) para obter lucros cada vez mais exorbitantes.
Um sistema estruturalmente desigual, idólatra e antiecológico pode ser melhorado e humanizado? Por se tratar de iniquidade estrutural (que, filosoficamente, chamamos de “mal moral estrutural” e, teologicamente, de “pecado estrutural”), a resposta é: não.
Essa iniquidade estrutural ou sistêmica - que assume vários rostos nas áreas da saúde, educação, cultura, ecologia, trabalho e outras - só pode ser vencida e superada mudando as estruturas. E, mudando as estruturas, muda o sistema. Trata-se de um mal ou pecado objetivo que não depende somente da vontade individual das pessoas.   
  1. Critérios pessoais:
Antes de votar, precisamos:
    1. tomar consciência crítica do “mal moral estrutural” ou “pecado estrutural” que existe no Brasil e no mundo;
    2. posicionar-se claramente contra esse mal ou pecado;
    3. descobrir caminhos novos para vencê-lo;
    4. estar dispostos a participar - de acordo com as capacidades e possibilidades de cada um/uma - das lutas dos Movimentos Populares. Sindicatos de Trabalhadores/as, Partidos Políticos, Comitês ou Fóruns de Direitos Humanos e outras Organizações, comprometidos/as com o Projeto Popular (social, econômico, político, ecológico e cultural), que é a Sociedade do Bem Viver e do Bem Conviver ou, à luz da Fé, o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo;
    5. por fim, ter consciência que - construindo o Projeto Popular - estamos construindo um sistema alternativo, estruturalmente justo e que poderá ser sempre aperfeiçoado.

“Pergunto-me - diz o Papa Francisco - se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.
O Papa diz ainda que este sistema insuportável “exclui, degrada e mata!”. E continua afirmando: “Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que atinja também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença” (Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
Os critérios apresentados para que o nosso voto seja ético são válidos também para toda práxis (unidade dialética de teoria e prática) política. Meditemos!
“Cuidado com os falsos profetas: eles vêm a vocês vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes” (Mt 7,15). A responsabilidade pelo Brasil é nossa! Que o voto seja realmente um exercício consciente de cidadania! E que Deus nos ilumine!



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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 03 de outubro de 2018

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