Nestes últimos dias, em todos os recantos do Brasil, irrompeu na Igreja Católica - pelo sopro do Espírito Santo, o Amor de Deus - uma forte ventania profética.
Um grupo de mais de 150 irmãos bispos - conscientes de seu ministério (serviço) de pastores (cuidadores) do povo - para defender suas ovelhas, ou seja, seus irmãos e irmãs pobres, oprimidos, explorados, excluídos e descartados contra os ataques dos lobos, divulgaram uma Carta denominada “Carta ao Povo de Deus”.
Nela, os nossos irmãos bispos assumem - com coragem e sem medo - a missão profética de anunciar o Projeto de Jesus de Nazaré, que é a Boa Notícia do Reino de Deus (na linguagem dos nossos irmãos e irmãs indígenas, a Sociedade do Bem Viver e do Bem Conviver), denunciando e condenando o Governo Federal (incluindo o Presidente da República) como sendo um Governo - cínica e descaradamente - perverso, iníquo e totalmente contrário ao Projeto de Jesus.
"O sistema do atual Governo - diz a Carta - não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos e todas, mas a defesa intransigente dos interesses de uma 'economia que mata' (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço".
A Carta - depois de várias denúncias - faz um veemente apelo: “Despertemo-nos do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que ‘a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz’ (Rm 13,12)”.
Enfim, conclui, invocando a benção de Deus: “O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós. O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26)”.
(Leia a íntegra da Carta em: https://www.brasildefato.com.br/2020/07/27/em-carta-ao-povo-de-deus-152-bispos-criticam-incapacidade-de-jair-bolsonaro ou em outros sites).
Diante de tantos desmandos e de tantas injustiças praticadas pelo Governo Federal contra os trabalhadores e trabalhadoras, os povos indígenas, os quilombolas, os pobres em geral e contra a Mãe Terra, Nossa Casa Comum, não podemos mais silenciar e nos omitir.
Numa situação grave como essa - que se tornou mais grave ainda por causa da pandemia da Covid-19 - o silêncio e a omissão significam conivência com a criminalidade. Quem silencia e se omite não pode ser chamado de cristão (mesmo que seja bispo ou padre) ou cristã.
Graças a Deus, no Brasil inteiro, surgiu também - sempre pelo sopro do Espírito Santo - uma corrente de apoio e solidariedade à “Carta ao Povo de Deus” dos bispos: uma Carta assinada por aproximadamente mil e quinhentos padres e que continua tendo novas adesões; um Manifesto de Cristãos Leigos e Leigas com 1440 assinaturas no primeiro dia e outras que estão sendo acrescentadas posteriormente; diversas Moções de entidades e organizações como a Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, o Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino e outras. A corrente aumenta a cada dia que passa.
Por outro lado - infelizmente - há também na Igreja Católica muita resistência à forte ventania profética provocada pelo sopro do Espírito Santo. É o mistério da liberdade humana que Deus respeita! A resistência - aberta ou silenciosa - encontra-se em todos os lugares do Brasil, mas em algumas regiões é mais forte. Na Região Centro-Oeste (Goiás e Distrito Federal), por exemplo, só um bispo assinou a “Carta ao Povo de Deus”. O fato é revelador!
Nessa Região - pela atuação prolongada de algumas lideranças religiosas ultraconservadoras - há vários anos desencadeou-se um processo de retorno a um modelo de Igreja pré-conciliar: piramidal, clerical, autoritária, triunfalista e preocupada consigo mesma. A chamada “Igreja da caminhada” - que, por anos, viveu intensamente e com muita garra a renovação pós-conciliar, sendo considerada, sobretudo em algumas dioceses ou arquidioceses (como Goiânia, Cidade de Goiás e outras), um modelo de Igreja para os dias de hoje - sofreu um forte golpe. Na Região Centro-Oeste, a resistência à ventania profética provocada pelo Espírito Santo tornou-se - com várias e louváveis exceções - estrutural ou seja, um estilo de vida eclesial.
Precisamos derrubar essa resistência institucionalizada e abrir as janelas para que a ventania profética possa entrar com toda força. Temos certeza que o sopro do Espírito Santo é muito mais forte do que qualquer resistência. Se Deus quiser, a Igreja da Caminhada - que, mesmo nas catacumbas, continua muito viva - logo voltará e com mais vigor.
Para a nossa reflexão, deixo três questionamentos:
Denunciando sua hipocrisia e falsidade, Jesus chama os fariseus (e os doutores da Lei) de “serpentes, raça de cobras venenosas!” (Mt 23,33). Avisado que devia ir embora, porque Herodes queria mata-lo, Jesus responde: “Vão dizer àquela raposa (...)” (Lc 13,32).
Nós Igreja - cristãos e cristãs - temos a coragem profética de chamar - como fez Jesus - os fariseus de hoje de “serpentes, raça de cobras venenosas” e os Herodes de hoje de “raposas”?
Jesus foi acusado de subversivo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2).
Nós Igreja - cristãos e cristãs - somos acusados/as, por causa de nossa prática - como foi Jesus - de pessoas que hoje “fazem subversão entre o nosso povo”?
Para Jesus a fé é uma prática. “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade de meu Pai” (Mt 7,21). A “vontade do meu Pai” é o projeto de igualdade, justiça e irmandade que Jesus veio anunciar ao mundo.
Nas eleições de 2018, os que se dizem cristãos/ãs, em sua maioria, votaram na “extrema direita”, cujo projeto político é aquele que temos: um projeto injusto (denunciado e condenado pelos bispos na “Carta ao Povo de Deus”) e totalmente contrário ao projeto de Jesus. Os que se dizem ateus, em sua maioria, votaram na “democracia”, que se for verdadeira (“democracia popular”) e não “elitocracia” é um grande valor humano e, portanto, também cristão.
Na prática, os que se dizem ateus, não são mais cristãos dos que se dizem cristãos/as?
Temos bastante assunto para meditar! Estamos juntos e juntas por um outro Brasil! Sejamos profetas e profetisas da vida para todos e para todas!
(http://bibliaecatequese.com/wp-content/uploads/2018/12/celebra%C3%A7%C3%A3o.jpg)
O Povo e o padre celebrando juntos, na comunhão de irmãos e irmãs
(como deveriam ser todas as Celebrações dos padres e bispos)
Pedro Casaldáliga, um bispo segundo o Evangelho e profeta de Deus
(como deveriam ser todos os bispos e padres)
Oremos pela sua saúde!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 04 de agosto de 2020
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