(Continuo as
reflexões do artigo anterior da série sobre o Ser humano: segunda parte)
Em segundo lugar, precisa reencontrar no real - previamente aceito em sua consistência e autonomia - o sentido da "presença ontológica" (em linguagem
filosófica) ou “presença criadora” (em
linguagem teológica) de Deus (Cf. Podeur,
L. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 117-
142).
“Suponhamos o
projeto científico plenamente acabado. Nesta hipótese tudo que acontece no mundo se explica fundamentalmente pelo mundo:
desde a existência do planeta Terra até a tempestade de ontem à tarde (...).
Isto significa que tudo que acontece no
mundo tem a sua razão ou explicação no estado presente ou anterior do próprio
mundo" (Ib., p.121-122).
É com essa hipótese do “projeto
científico plenamente acabado”
que a filosofia e a teologia devem trabalhar daqui por diante. A filosofia e a teologia
não são ciências "experimentais"; não explicam "experimentalmente" o mundo. A filosofia (à
luz da razão) e a teologia (à luz da razão, iluminada pela fé) partem da explicação
"experimental", vão além dela, voltam para ela e, assim, num processo contínuo de reflexão, procuram "compreender" sempre
mais profundamente o mundo, seu sentido e seu valor.
Ora, pergunto: Como reencontrar o
sentido da "presença ontológica" ou “presença criadora" de
Deus no quadro de um mundo consistente e autônomo em seu funcionamento?
Deus não é "motor": "primeiro motor em cima"
(Aristóteles e S. Tomás de Aquino) ou "primeiro motor na frente"
(Teilhard de Chardin).
"Se Deus não pudesse estar presente senão à maneira de um 'motor'
ou de uma força, a situação não teria saída; a 'ausência cósmica' do divino
seria uma ausência definitiva. Deus estaria morto. Mas a situação não é esta!
Existe outra espécie de presença divina, muito mais essencial e característica
do que uma presença simplesmente motriz ou finalizante" (Ib., p. 123).
Essa outra espécie de presença divina é a "presença ontológica" ou “presença criadora” de Deus; ela
designa a presença da Fonte ou Fundamento absoluto do Ser nos seres (a
"presença ôntica", ao contrário, designa a presença dos seres uns aos
outros).
Por "presença
ontológica" ou “presença criadora” de Deus entende-se o fato de que o
mundo "perpetuamente, a cada instante, atualmente, é 'posto' por Deus,
'sustentado' e 'fundado' por Ele na existência" (Ib., p. 124-125). Os termos
"perpetuamente", "atualmente" são inadequados enquanto
parecem colocar Deus no tempo. Em verdade, eles se referem à duração do mundo e
indicam que a "presença
ontológica" ou “presença criadora” de Deus coexiste com cada um dos
momentos desta duração.
Em outras palavras, sem Deus atualmente
"pondo" o mundo, ele não existiria. A "presença ontológica"
ou “presença criadora” de Deus dá ao real material, ao que existe a sua
consistência e autonomia, impedindo que ele se dissolva no nada. Ela não é
"movimento" ou "organização", não é "unificação"
ou "complexificação"; não é, enfim, "sobrelevação" ou
"superativação".
Estas expressões disfarçam a
originalidade da relação, que chamamos "presença
ontológica" ou “presença
criadora” de Deus. "Tendem a fazer dela o que ela não é, isto é, um tipo
particular de ação, que viria apenas aumentar o número das outras ações e cuja
inexistência no devir cósmico é mostrada pela investigação científica" (Ib., p. 125).
"Presença
ontológica" ou “presença criadora” de Deus significa: "posição de" (do mundo); ela torna "presente" no sentido absoluto do termo.
(Continuarei no próximo artigo da série: a terceira parte do mesmo)
Marcos
Sassatelli, Frade dominicanoDoutor em Filosofia
(USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)Professor aposentado
de Filosofia da UFGE-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 17 de junho de 2023
http://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-outro-absoluto-2/
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