segunda-feira, 23 de outubro de 2023

À Comunidade Ocupação Paulo Freire

 


Carta aberta

 

Queridas irmãs e queridos irmãos, companheiras e companheiros de caminhada - heroínas e heróis, juntamente com suas crianças, da luta pelo direito à moradia digna - da Comunidade Ocupação Paulo Freire (cerca de 80 famílias), Setor Solar Ville (Goiânia - GO)

Sábado, dia 21 deste mês de outubro por volta das 10h - representantes de Ocupações do campo e da cidade, de Movimentos Sociais Populares, de Sindicatos de Trabalhadoras e Trabalhadores, de Partidos Políticos Populares, de Coletivos de Mulheres, de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), de Pastorais Sociais - com Dom João Justino, arcebispo da Arquidiocese de Goiânia - da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, do Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno e de outras Organizações Populares - nos encontramos na Comunidade de vocês para manifestar a nossa total solidariedade e irrestrito apoio contra as injustas ameaças de despejo da Prefeitura de Goiânia, que demostra - com isso - estar totalmente submissa aos interesses financeiros da especulação imobiliária dos donos do capital.

Todas e todos ficamos edificadas e edificados com a acolhida de vocês: uma acolhida de irmãos e irmãs, com muito calor humano e com muita amizade. Obrigado a todas e a todos. Os poderosos, “adoradores do deus dinheiro”, não têm condições de intender isso.

O direito à moradia digna é de todas e de todos. A terra que estão ocupando é de vocês. Continuem unidos e organizados. “Povo unido e organizado jamais será vencido”! Estamos com vocês. Contem conosco!

Já disse e reafirmo: o MST e os outros Movimentos Sociais, que lutam pelo Reforma Agrária Popular - o direito à terra de trabalho e de moradia no campo e na cidade - nunca realizaram, realizam e realizarão “Invasões”, mas “Ocupações”.

Toda terra sem função social no campo e na cidade; toda terra que na cidade, é “largada” - muitas vezes sem pagar impostos para o Poder Público - para futura especulação imobiliária, é de quem precisa dela para morar ou morar e trabalhar.

Repito o que já disse: os “Invasores” e verdadeiros “ladrões” do Brasil - não são as trabalhadoras e trabalhadores, mas os que fazem parte do 1% da população, que possui 50% dos bens do país.

Como cidadão, cristão, religioso e professor aposentado de Ética na UFG, reafirmo mais uma vez: todo despejo é injusto, antiético, desumano e anticristão e toda liminar de juiz, que pretende legalizar e institucionalizar a imoralidade pública do despejo, é iníqua, perversa e diabólica. Pessoa humana não se despeja! Só pode ser despejado o lixo degradável que não tem mais condições de ser reaproveitado.

Reafirmo ainda: só existem três casos nos quais as moradoras e os moradores podem ser removidos (não despejados), com muito respeito e dignidade, pelo Poder público:

Primeiro caso: se o terreno ocupado for uma área de risco de vida. Nesse caso, as moradoras e moradores devem ser removidos - com todo cuidado - o mais rápido possível e, se necessário, o Poder Público tem a obrigação de pagar o aluguel social.

Segundo caso:  se o terreno ocupado for uma área de preservação ambiental. Neste caso, porém, só depois que outras moradias estiverem prontas para receber com dignidade os novos moradores.

Terceiro caso: se o terreno ocupado for de utilidade pública. Nesse caso, vale o que eu disse no anterior.

Não esqueçamos: o sistema capitalista neoliberal é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385), de uma iniquidade estrutural (pecado estrutural), ou um “sistema nefasto”, porque considera "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes" (Paulo VI. Desenvolvimento dos Povos - PP 26).

Estou - e estamos - com vocês! Reforma agrária popular já! Um grande abraço de seu companheiro e irmão, Frei Marcos.



Ato de solidariedade à Comunidade Ocupação Paulo Freire,
ameaçada de despejo pela Prefeitura de Goiânia




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 23 de outubro de 2023



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